Ultima atualização em 7 de Outubro de 2020 às 17:30
Estudo realizado na Amazônia, com artigo publicado na Science em outubro de 2020, mostra que grandes ganhos de conservação são possíveis para ecossistemas de água doce ameaçados.
Um novo estudo na Amazônia brasileira, feito por uma equipe internacional de cientistas, mostra que projetos de conservação redesenhados podem gerar grandes ganhos para ecossistemas de água doce – aumentando as esperanças para o futuro de milhares de espécies.
Embora ocupem menos de 1% da superfície da Terra, rios, lagos e riachos abrigam cerca de um décimo de todas as espécies conhecidas – incluindo um terço de todos os vertebrados. Eles também são vitais para regular o clima e como fonte de alimento e combustível para as populações locais.
Apesar de serem essenciais à vida, os ecossistemas de água doce estão muito mais ameaçados do que seus equivalentes terrestres e marinhos. Nos últimos 50 anos, as populações de vertebrados de água doce despencaram 83% – mais do que o dobro da queda de vertebrados terrestres e marinhos, que diminuíram cerca de 40% no mesmo período.
Esta queda dramática na biodiversidade de água doce tem sido causada por um conjunto de fatores relacionados à atividade humana, incluindo: perda e degradação de habitat; sobrepesca; "boom" de algas; construção de barragens; e a introdução de espécies não nativas. Essas pressões estão agora sendo amplificadas por estresses adicionais, como mudanças climáticas e poluição por microplásticos.
Novas medidas de conservação são urgentemente necessárias em todo o mundo para ajudar a resolver a crise que os ecossistemas de água doce e suas espécies enfrentam. No entanto, apesar de tudo isso, os ecossistemas terrestres têm recebido muito mais atenção no planejamento de conservação do que os ecossistemas aquáticos.
Publicado na Science (uma das revistas cientificas de maior prestígio no mundo), o novo estudo avaliou mais de 1.500 espécies de água doce e terrestres na Amazônia brasileira. Os principais grupos de espécies de água doce que os cientistas analisaram incluíram peixes, libélulas e invertebrados aquáticos. Eles também examinaram espécies terrestres, incluindo plantas, aves e besouros rola-bosta.
A pesquisa, realizada pela Rede Amazônia Sustentável – uma iniciativa envolvendo cientistas do Brasil, Europa, EUA e Austrália – analisou como as espécies de água doce são protegidas por meio de esforços de conservação direcionados às espécies terrestres.
A primeira autora, Dra. Cecilia Gontijo Leal, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Lavras (Ufla), explica: “O planejamento da conservação geralmente se concentra na proteção de espécies que vivem na terra. Presume-se que as espécies de água doce serão protegidas incidentalmente – isto é, por acaso, como resultado dos esforços para conservar as espécies terrestres. No entanto, mostramos que as iniciativas de conservação com foco nas espécies terrestres protegem apenas 20% das espécies de água doce que teriam sido protegidas por meio da conservação direcionada a elas. Para enfrentar a crise da biodiversidade aquática, as espécies que vivem em rios, riachos e lagos precisam ser explicitamente incorporadas ao planejamento de conservação”.
Os pesquisadores consideraram quanto a proteção dos ecossistemas aquáticos poderia ser aumentada por meio de ações de conservação que considerassem simultaneamente espécies de água doce e terrestres. Eles descobriram que os esforços de conservação com maior foco em ambientes aquáticos podem gerar grandes ganhos para esses ecossistemas, sem afetar adversamente os ecossistemas terrestres.
De acordo com o professor Dr. José Max Oliveira Júnior, do Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA) da Ufopa, coautor do artigo, “usando o planejamento integrado que incorpora informações sobre as espécies de água doce e terrestres, descobrimos que a proteção das espécies de água doce pode ser aumentada em até 600%, sem uma redução significativa na proteção das espécies terrestres. Onde os dados de biodiversidade de água doce não estão disponíveis, mas a conectividade aquática é considerada, os benefícios da água doce ainda podem ser dobrados para perdas insignificantes de cobertura terrestre”. Segundo o artigo publicado, “os resultados sugerem que tais ganhos podem ser alcançados sem comprometer os objetivos de conservação terrestre”. O professor também reforça a importância das cooperações interinstitucionais e das equipes multidisciplinares para desenvolvimento de um estudo de grande impacto como esse.
A pesquisa também abordou o desafio de como colocar isso em prática. As espécies terrestres geralmente têm sido o foco dos esforços de conservação, portanto, as informações sobre a distribuição das espécies aquáticas são escassas, especialmente nas regiões tropicais hiperdiversas. Isso representa um problema para o planejamento da conservação: como proteger as espécies se não se sabe onde elas estão?
Os pesquisadores desenvolveram um novo método para proteger as espécies aquáticas nessas circunstâncias. “As espécies de água doce dependem crucialmente da conectividade dos sistemas fluviais. Ao projetar redes de áreas prioritárias para a conservação que levam essa conectividade em consideração, descobrimos que a proteção aquática ainda poderia ser duplicada mesmo na ausência de dados de distribuição de espécies de água doce. Isso mostra que há poucos obstáculos para melhorar muito a conservação de água doce em regiões do mundo onde a biodiversidade é pouco conhecida”, enfatiza José Max.
Embora o estudo não aborde ações específicas de conservação para espécies de água doce ou terrestres, ele pode ser usado como um guia para identificar áreas prioritárias em outros lugares, informando sobre o desenvolvimento e a implantação dos métodos de conservação mais adequados.
A pesquisa é descrita no artigo "Integrated terrestrial-freshwater planning doubles conservation of tropical aquatic species".
Comunicação/Ufopa, com informações da Rede Amazônia Sustentável
05/10/2020