Ultima atualização em 21 de Julho de 2021 às 09:00
Das sete pró-reitorias, cinco são ocupadas por mulheres. Dos seis campi fora de sede, quatro têm diretoras. Elas ocupam ainda cargos em coordenações e diretorias
Pesquisas demostram que as mulheres são maioria na sociedade brasileira. No estado do Pará, por exemplo, para cada 96 homens há 101,7 mulheres. Elas também estudam mais que eles. Apesar de terem nível de instrução mais elevado, ainda recebem salários menores. Esses índices variam entre os estados da Federação, mas, em média, elas recebem cerca de 66,3% dos rendimentos dos homens. Os dados constam no estudo intitulado: “Estatística de Gênero: uma análise dos resultados do Censo Demográfico de 2010”, do Sistema Nacional de Informação de Gênero (SNIG) do IBGE, lançado em 2014 e atualizado em 2018. Ao final deste texto, há um atalho (link) que dá acesso ao documento.
A boa notícia é que elas agora também estão ocupando, cada vez mais, espaços de liderança. Seja por reconhecimento da sua competência, seja pelo voto direto. Em 2016, do total de cargos gerenciais, 60,9% eram ocupados por homens e apenas 39,1% por mulheres. Em números absolutos, na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) elas ocupam a maioria dos cargos do primeiro escalão, começando pela vice-reitoria, exercida por uma mulher. Das sete pró-reitorias, cinco são ocupadas por mulheres. Nos campi fora de sede não é diferente.
Na gestão multicampi, por exemplo, dos seis campi, quatro tem mulheres na direção. Um ponto a destacar é que, no primeiro caso, o das pró-reitorias, elas tiveram o reconhecimento da gestão e foram convidadas a assumir os cargos. Já nos campi fora de sede, todas elas foram eleitas por meio do voto direto da comunidade acadêmica.
Para a produção deste texto, todas elas foram convidadas a se pronunciar. As entrevistas semiestruturadas foram enviadas por meio de um aplicativo de mensagens, com o apoio da vice-reitora, Profa. Dra. Aldenize Xavier (mulheres têm o hábito de ser solidárias).
Todas elas foram convidadas a responder às mesmas perguntas: 1) Qual(is) a(s) sua(s) maior(es) dificuldade(s) em estar na gestão superior de uma universidade?; 2) O ambiente acadêmico facilita ou atrapalha?; e 3) Você sente que há algum tipo de preconceito de gênero?
Aquelas que responderam foram unânimes em afirmar "sim" ao último questionamento. As dificuldades são inúmeras e diferem entre as respostas. Mas uma foi comum: o excesso de trabalho e a dupla jornada, que inclui os afazeres domésticos, os cuidados com os filhos e com a casa. A seguir, você vai conhecer um pouco da rotina dessas mulheres.
“Ela não sabe decidir sobre o próprio corpo” – Acostumada a conviver num ambiente masculino desde que se licenciou em Matemática e concluiu o doutorado em Geofísica (UFPA), a vice-reitora da Ufopa, Aldenize Ruela Xavier, que neste momento assume a Reitoria em exercício, tem mais questionamentos que respostas quando o assunto é a igualdade de gênero: “Quantas mulheres ocupam espaço na política? Quantas participam dos espaços de decisão na universidade?” E vai além: “Quais as dificuldades para a mulher fazer ciência?”
Segue questionando sobre o significado deste dia 8 de março. Para ela, o momento é de refletir sobre o lugar que as mulheres estão ocupando na sociedade atualmente: “Estamos onde queremos estar? O quanto já avançamos e o quanto ainda falta avançar?”. Xavier chama a atenção também para questões importantes, como, por exemplo, a liberdade de decidir sobre o próprio corpo: “No processo de construção da feminilidade é atribuído à mulher um conceito de que ela não sabe fazer escolhas; há pouco tempo não podia votar, porque não saberia votar, e ainda hoje ela precisa da autorização do marido para fazer laqueadura, porque ela não sabe decidir sobre seu corpo. Precisamos falar sobre estes estereótipos”. E faz um alerta ao sugerir um caminho: “Cada conquista vem a partir das discussões sobre o assunto. A mudança de paradigma na construção da feminilidade é o caminho para superarmos a violência que vivemos ainda hoje. Seja violência física, psicológica, ou o desrespeito em não ser ouvida, entre tantas”.
“Muitas vezes fui chamada de mãe” – Mesmo na gestão superior de um campus universitário, às vezes a jornada de trabalho das mulheres se confunde. Foi o que afirmou a diretora do Campus Oriximiná, Dávia Talgatti: “Por estarmos em comunidades acadêmicas pequenas, muitos discentes nos veem, talvez por sermos mulheres, como ponto de apoio. Muitas vezes fui chamada de mãe por incentivar, apoiar e estimular a busca do conhecimento e da educação como oportunidade de mudança de vida”. E ela não para por aí, pois, como em todo cargo de gestão, não faltam dificuldades: “As dificuldades estão relacionadas ao excesso de trabalho, que às vezes, principalmente nos campi, não temos muito com quem dividir, pois somos poucos, e portanto a gestora, além das funções administrativas de seu cargo, precisa ministrar aulas, participar de todas as comissões internas e externas, e ainda sermos muitas vezes psicólogas”.
Sem perder a ternura – Ocupando a direção do Campus universitário de Óbidos, a Prof. Dra. Marilene Aquino Castro de Barros reconhece a existência do preconceito, mesmo no ambiente acadêmico, uma constatação de todas as mulheres que foram ouvidas para esta reportagem. “Lamentavelmente, a identidade de sociedade patriarcal, sexista e machista está enraizada na nossa história. Quanto a nossa condição feminina, ainda lidamos com muitos preconceitos de gênero. Há olhares que nos observam com desconfiança e que, de forma velada, nos sentenciam não ter força e poder para estar à frente de uma gestão”. E ela não desanima: “No entanto, somos resistência! Não nos deixamos declinar e, com a sutileza e a beleza da força e do poder que habitam em nós, amorosamente continuamos realizando nosso trabalho, que é, entre outras ações, contribuir para o despertamento de mentes críticas, reflexivas, transformadoras e protagonistas da própria história, visando o bem-estar individual e coletivo”. Aproveitou a entrevista para enviar-nos o poema "Sou mulher" (leia o poema AQUI).
“Aprendizados na pandemia” – “A pandemia nos trouxe grandes desafios, com isso tivemos que reinventar nossas conivências sociais e, ao mesmo tempo, enfrentar um primeiro ano enquanto gestora em uma universidade. Isso foi muito difícil. A falta de acesso a recursos tecnológicos e o fato de administrar sequelas biológicas e psicológicas de nossos colegas e discentes foi desafiador. Estar longe da família e ao mesmo tempo ter equilíbrio para enfrentar esses desafios está sendo um desgaste muito grande, mas também momento de muito aprendizado”. O desabafo é da Profa. Dra. Jorgiene Oliveira, diretora do Campus Alenquer. Ela resume bem o que está ocorrendo dentro da Universidade, seja na sede ou fora dela.
“Existe preconceito de gênero sim” – Esta é a constatação da Profa. Dra. Marcela Radael, diretora do Campus Monte Alegre, quando questionada sobre o preconceito de gênero no ambiente acadêmico. “Gostaria de dizer que não, que somos vistas como qualquer outro gestor, mas infelizmente, mesmo que seja muitas vezes de forma mais sutil, existe preconceito de gênero sim. Há, nos diversos setores da Universidade com os quais lidamos, uma constante necessidade de “testar” nossa competência por diversos colegas (e, neste caso, infelizmente não incluo apenas os homens), coisa que não vemos ocorrer com os [eles]”. “O ambiente [na Ufopa] deveria ser plural, crítico, que viesse a possibilitar o diálogo, os acordos e decisões para que tudo fosse conduzido com respeito ao contraditório; (...) ainda temos muito a desenvolver até chegar realmente a esta realidade”, conclui.
“Dificuldade de aceitação” – À frente da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep), a Profa. Fabriciana Guimarães lida todos os dias com a questão de “cuidar de pessoas”; ela entende bem sobre os dramas de homens e também daqueles vividos pelas mulheres no ambiente acadêmico. “Há uma dificuldade comum entre boa parte das mulheres em equilibrar as tarefas de trabalho com os compromissos familiares e do lar. Mesmo assim, todas as servidoras que estão em cargo de gestão desempenham com primor suas atividades. As dificuldades de aceitação, dos próprios colegas, estão entranhadas dentro de muitos, o que faz, por vezes, a mulher se sentir reprimida; há boicotes contra as mulheres, há sempre uma fala mais grossa em reuniões para tentar intimidá-las”, afirma.
“Jornadas do universo feminino” – Para a pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação Técnológica (Proppit), Prof. Dra. Lenise Vargas Flores, as diversas “jornadas”, assim mesmo no plural, que fazem parte do “universo” das mulheres, incluem até trabalho nas madrugadas: “Minha maior dificuldade de estar na gestão superior de uma universidade é conciliar todas as jornadas que fazem parte do universo feminino, como a de mãe, esposa, filha, professora, pesquisadora, orientadora e gestora. Jornadas nada fáceis, em muitos momentos, que me direcionam a construir turnos de trabalhos alternativos, muitas vezes nas madrugadas, quando a casa está tranquila. Entretanto, cada jornada vencida é uma vitória, e renovo a energia para um novo dia e um novo começo, sempre com proatividade e positividade”, ensina.
Os números não mentem jamais – Analisem estas estatísticas fornecidas pela diretora do Instituto de Biodiversidade e Florestas (Ibef), Profa. Dra. Allana do Socorro Lima da Silva, e tirem suas próprias conclusões: "No Ibef, do total de docentes, 40% são mulheres; do total de servidores técnicos, 44% são mulheres; do total de discentes, 54% são mulheres. É o único instituto da Ufopa, em Santarém, em que a direção é ocupada por duas mulheres. Do total de egressos, 64% são mulheres; do total de 73 projetos de pesquisa desenvolvidos no instituto, 45% são coordenados por mulheres; do total de 19 projetos de extensão, 53% são coordenados por mulheres. Desejo que, cada dia mais, a mulher ocupe mais espaço na gestão, ensino, pesquisa e extensão, com a devida valorização, reconhecimento e respeito. E agradeço às servidoras, às docentes e às discentes por toda a dedicação".
"Uma universidade pública de qualidade para nossos filhos e netos" – Este é o legado que pretende deixar a contadora Sofia Campos e Silva Rabelo, que está à frente da Pró-Reitoria de Administração (Proad). "Para mim está sendo um desafio estar participando da Gestão Superior, representando as mulheres e a classe de técnicos administrativos. Procuro me adequar à figura que se espera dos cargos gerenciais e poder contribuir com a minha gestão para a construção de uma universidade pública de qualidade para nossos filhos e netos".
Este é um breve panorama de como a vida profissional de mulheres, dentro e fora da universidade, é desafiadora. E parece que o problema da discriminação de gênero não é apenas brasileiro. Uma entidade do Reino Unido denominada Irmãs SCI: A Scientist Sisterhood (link ao final do texto) junta mulheres, ao redor do mundo, para troca de ideias e experiências. É uma espécie de apoio para dividir as dores e as delícias enfrentadas pelas mulheres que atuam na ciência.
De acordo com o site da instituição britânica, “as mulheres representam aproximadamente 10% dos cientistas seniores nas universidades, laboratórios governamentais e órgãos públicos de ciência e indústria do Reino Unido”. No texto de apresentação do site, uma constatação: “em instituições menores isso pode ser desolador”. No link abaixo é possível inscrever-se na rede e encontrar “uma xícara de café com uma cientista sênior, ou um conselho”, entre outros tipos de apoio.
Isso prova uma realidade verificada pelo SING: “Na maioria das sociedades, há diferenças e desigualdades entre mulheres e homens nas funções e responsabilidades atribuídas, atividades desenvolvidas, acesso e controle dos recursos, bem como oportunidades de tomada de decisão”.
Lenne Santos – Comunicação/Ufopa
08/03/2021