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Universidade Federal do Oeste do Pará

Ultima atualização em 18 de Fevereiro de 2020 às 12:11

Pesquisa da Ufopa faz diagnóstico sociolinguístico de escolas em Santarém


A pesquisa é realizada pelo Grupo de Estudos Linguísticos do Oeste do Pará (Gelopa).

A realidade linguística na região oeste do Pará não foge à realidade brasileira, que apresenta a convivência de mais de 200 idiomas, tanto línguas nativas quanto de imigrantes.

Na própria Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) há uma pluralidade de línguas, considerando-se, principalmente, a participação das comunidades indígenas. Por exemplo: temos os povos Munduruku e Wai Wai, sendo que alguns desses últimos também falam mawayan, katuena, xeréw e hixkaryana.

Ainda como exemplo, pode-se registrar o nheengatu da região do Baixo Tapajós, que, após realização de um curso de extensão sobre a língua, passou a ser conhecido nas comunidades.

Outro fator de influência é a vinda de índios venezuelanos para Santarém, que trazem sua língua para a realidade local. Esse multilinguismo interfere diretamente na vida de muitas comunidades escolares, onde as crianças e adolescentes iniciam suas vidas estudantis.

Com o propósito de mapear a situação sociolinguística nas escolas do Oeste do Pará, nasceu a pesquisa Diagnóstico sociolinguístico de escolas públicas do oeste paraense em contexto plurilíngue. A pesquisa faz parte do Projeto Língua, gramática, variação e ensino, desenvolvido pelo Grupo de Estudos Linguísticos do Oeste do Pará (Gelopa), do Programa de Letras do Instituto de Ciências da Educação (Iced) da Ufopa.

A motivação para a pesquisa surgiu a partir das discussões da disciplina A função sociossimbólica da linguagem, no Mestrado Profissional em Letras, no início de 2019, que focaram no espaço da língua portuguesa e das outras línguas na sala de aula, pensando-se, inicialmente, na língua brasileira de sinais (Libras). Depois se discutiram a presença dos alunos indígenas com suas línguas e a falta de preparação da escola para essa realidade. “Nós começamos a observar, de fato, o chão da sala de aula, vendo como o professor não está preparado para lidar com essas diferenças”, destacou a professora Ediene Pena, do Programa de Letras da Ufopa e coordenadora da pesquisa. Segundo ela, muitas vezes o aluno apresenta dificuldades para fazer suas avaliações, mas o problema não está relacionado ao déficit cognitivo, mas ao não entendimento da língua que está sendo usada na escola.

A pesquisa começou, inicialmente, estudando a realidade da escola municipal Eloína Colares e Silva, bairro Ipanema, em Santarém, que viveu o desafio de atender, no primeiro semestre de 2019, a um grupo de 40 alunos da etnia Warao, da Venezuela. Durante todo o ano, um grupo de pesquisadores do Gelopa, coordenado pela professora Ediene, acompanhou a realidade da escola, que precisava atender aos novos estudantes que não sabiam falar o português e que compreendiam pouco o espanhol.

Sobre a metodologia

Inicialmente, o grupo de pesquisadores observou a realidade da escola e depois elaborou questionários para aplicar a professores e a alguns alunos com quem conseguiam se comunicar. “As perguntas foram organizadas para se buscar indicadores,  tanto no contexto social quanto no contexto mais linguístico”, disse Breno Ferreira, acadêmico de Letras e membro do grupo de pesquisa.

 

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Professora Ediene apontou que, para fazer esse levantamento, a equipe buscou informações variadas sobre os alunos. “Temos um interesse social, saber quem é esse aluno, quem é esse falante, qual a família dele, de onde ele veio, qual a idade, o que ele faz nas horas vagas, o que ele faz para o lazer, se ele tem acesso a ambientes de cultura, para depois, sim, saber qual a função social da língua que ele está usando, quer a língua materna, quer as outras possíveis línguas com que ele venha a ter  contato”, disse a professora.

Segundo informações de Natália Almeida, também acadêmica de Letras, no primeiro semestre de 2019, quando iniciou o estudo, do total de 505 alunos matriculados na escola Eloína Colares, 40 eram indígenas venezuelanos. Desses, 14 (35%) participaram da pesquisa, respondendo a um questionário, pelo critério de idade e pela compreensão das perguntas por questões da língua. Eram sete meninas e sete meninos. Também os professores participaram, respondendo a perguntas específicas.

O relatório parcial da pesquisa aponta observações da equipe de pesquisadores, a partir da coleta de dados. Algumas são apresentadas aqui:

  • Os alunos venezuelanos, da etnia Warao, na faixa etária que varia de 6 a 19 anos, estavam reunidos na mesma sala, sendo alfabetizados por apenas uma professora e uma auxiliar;

  • Os alunos, em sua maioria, pertenciam ao mesmo grupo familiar, o que influenciava na frequência às aulas e na evasão escolar. Quando a família decidia migrar para outra cidade, reduzia-se o número de alunos. Em agosto, por exemplo, havia apenas cinco estudantes venezuelanos, e até o final do ano outros três voltaram;

  • As professoras utilizavam livros pedagógicos, como o do programa “Se liga”, que eram próprios para a alfabetização, além de uma metodologia adequada que possibilitou aos alunos venezuelanos absorverem boa parte do conteúdo;

  • Pelo fato de a maioria dos alunos terem uma noção de espanhol, as professoras falavam “portunhol”, misturando as duas línguas (português e espanhol); na sala havia cartazes com algumas palavras ou expressões na língua warao, para os alunos manterem contato com a língua materna;

  • Existem crianças que já têm certa interatividade com a língua portuguesa, pois já estão há mais tempo no país. Verificou-se que algumas crianças acompanhavam as mães na atividade de coleta (pedido de dinheiro nas ruas). A partir desse dado, os pesquisadores inferiram que tais atividades potencializavam a interatividade com o uso da língua portuguesa;

  • Na sala de aula, a professora utilizava bastante da linguagem gestual e mudanças de entonação no ato de fala, mesclando o espanhol e o português.

 

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Falta de política linguística

Como resultados iniciais do estudo, a partir das impressões dos pesquisadores, tem-se que a vinda dos venezuelanos para Santarém evidenciou a falta de uma política linguística efetiva e atenciosa no município que contemple a realidade multilíngue, principalmente, para atender aos docentes, oferecendo formação necessária para a vivência de experiências semelhantes.

“Casos como esse tendem a se repetir, e uma política linguística se faz necessária para que os imigrantes tenham sua cultura respeitada; para que docentes tenham uma base de como proceder em determinadas situações e até mesmo em relação a melhores metodologias aplicáveis; para que a escola não venha a ser prejudicada; e, sobretudo, para que haja ainda mais interação e conhecimento cultural”, destaca o relatório da pesquisa. 

O estudo também inferiu que algumas crianças ainda não tenham absorvido amplamente a própria língua, considerando que têm menos de 10 anos de idade. E a mesma observação se estende à cultura, considerando que esta não está desconectada do universo linguístico. “Outro ponto a destacar, por fim, é o que tal contexto reflete, um choque entre culturas, línguas, formas diferentes de pensar e simbolizar o mundo. Choque esse que é complexo, mas que tende a ser profícuo, desde que existam políticas linguísticas adequadas, configuradas por pesquisas, como esta, que busca entender os diversos contextos sociolinguísticos”, reiterou o relatório.

O mito do monolinguismo

“O fato de a língua portuguesa ser a língua oficial pode levar à falsa impressão de que ela é a única falada no Brasil. Então, isso é considerado o mito do monolinguismo”, disse a professora Ediene Pena. Hoje no Brasil são falados, aproximadamente, 215 idiomas, sendo 180 línguas autóctones, dos indígenas, e outras 35 línguas alóctones, das comunidades de descendentes de imigrantes.

Também devem somar-se a estas as línguas de sinais, com destaque para língua brasileira de sinais (Libras) e as línguas afro-brasileiras ainda usadas nos quase mil quilombos oficialmente reconhecidos no Brasil. “A essa convivência de línguas se chama multilinguismo. Então, a realidade do Brasil de fato é uma realidade multilíngue porque se tem a convivência com várias línguas”, reiterou a professora.

Segundo ela, o professor não está preparado para esse contexto porque ainda não há políticas linguísticas que deem conta dessa realidade. “Nós temos uma política de Estado monolíngue. Nós formamos o professor monolíngue para trabalhar numa realidade que não é monolíngue, é multilíngue”, disse ela, afirmando também que, para a construção dessas políticas, necessita-se de estudos que mostrem a realidade, como a pesquisa que está sendo desenvolvida pelo Gelopa.

Essas políticas também são necessárias para garantir a efetivação da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, a qual aponta que todo falante tem o direito de falar a sua língua materna, mesmo que esteja vivendo em outra cultura, como é o caso dos indígenas venezuelanos em Santarém.

Pela pesquisa Diagnóstico sociolinguístico de escolas públicas do oeste paraense em contexto plurilíngue, o grupo vai continuar acompanhando a escola municipal Eloína Colares, mas também iniciará outra etapa com observações na escola estadual Pedro Álvares Cabral, bairro Laguinho, em Santarém.

Grupo de Estudos Linguísticos do Oeste do Pará

O Gelopa nasceu pela necessidade de descrever fenômenos de língua portuguesa, sobretudo aspectos da linguagem de Santarém, sob iniciativa da professora Ediene Pena, em 2008, quando retornou do doutorado. O grupo foi criado com a finalidade de estudar linguagem, estudar língua, descrever aspectos do falar santareno, e já faz esse trabalho há quase 12 anos.

Como resultado das pesquisas realizadas pelo Gelopa, há registros de trabalhos de conclusão de curso (TCC) de graduação, monografias de especialização e dissertações de mestrado, constituindo um acervo de pesquisa sobre a realidade linguística de Santarém e sobre a língua de forma geral.

Confira os canais do Grupo de Pesquisa

 

Rosa Rodrigues – Comunicação/Ufopa

18/2/2020

Fotos: Gelopa

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