Ultima atualização em 22 de Julho de 2019 às 16:13
A equipe do Laboratório de Fisiologia Vegetal e Crescimento de Plantas, vinculado ao Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA) da Ufopa, vem dedicando-se ao estudo dos fungos micorrízicos arbusculares (FMAs) desde 2016. Invisíveis a olho nu, esses fungos têm uma forte expressão ecológica e agrícola. Ao se associarem às raízes das plantas vascularizadas, desenvolvem uma relação simbiótica chamada micorriza (mico = fungo e riza = raiz), capaz de aumentar a absorção de água e nutrientes, especialmente o fósforo. Assim, as plantas crescem mais, ficam mais competitivas ecologicamente e superiores do ponto de vista agronômico, além de mais tolerantes à seca e às doenças.
Frente ao crescimento populacional e às mudanças climáticas imperativas, as micorrizas têm-se mostrado aliadas importantes na produção de alimentos. Solos enriquecidos com esses fungos têm sido muito utilizados na agricultura com o objetivo de aumentar a produtividade e garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e áreas agricultáveis.
A equipe do laboratório trabalha para desenvolver um biofertilizante capaz de melhorar o desempenho dos vegetais e reduzir o uso de fertilizantes sintéticos. Esses fungos são seres microscópicos e só conseguem ser vistos com o auxílio de microscópios e de uma boa coloração. A coloração permite identificar o fungo por contraste de luz, pois as estruturas do fungo ficam com uma cor mais intensa e a raiz da planta fica com um tom mais claro. Assim é possível saber o que é fungo e o que é planta e, com isso, saber se o fungo infectou a planta ou não. “Não é possível seguir as pesquisas com esse fungo sem conseguir vê-lo”, ressalta Marcos Santana, vice-coordenador do estudo na Ufopa.
Toxicidade química - Foi nesse ponto que os pesquisadores se depararam com um problema, a periculosidade e o alto valor dos químicos usados para coloração dos FMAs. É o caso do hidróxido de potássio, usado para descolorir as raízes, do ácido clorídrico, que acidifica as raízes descoloridas, e do azul de tripano, que cora as estruturas do fungo de azul.
Mundialmente, o azul de tripano (trypan blue) é um dos corantes dos mais utilizados em pesquisas científicas desde 1970, quando foi indicado para esse fim. O problema é que esse corante pode, por exemplo, causar câncer. “Ele cora tanto tecido fúngico quanto tecido animal e se liga muito facilmente aos tecidos. Por isso há casos de câncer relacionados a quem manipula esse corante, porque ele adere facilmente à pele”, explica Santana.
Em 2015, Marcos Santana colaborava com pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA). Juntos, desenvolveram uma técnica, substituindo os reagentes perigosos por outros mais acessíveis e menos tóxicos. A soda cáustica foi usada no lugar do hidróxido de potássio e o vinagre entrou como substituto do ácido clorídrico. “O risco é muito menor que manipular um ácido”, enfatiza.
A substituição do ácido também evita outro problema, já que, para manipulá-lo, é necessário o uso de um equipamento chamado capela de fluxo laminar, que suga o vapor do ar liberado pelo ácido, muito volátil. “Temos poucas capelas na Ufopa. Quando trabalhamos com soda cáustica e vinagre, não há necessidade desse equipamento, porque não há liberação de vapor”, relata o professor Túlio Lara, que coordena a pesquisa com FMAs na Ufopa.
No mesmo estudo de 2015, os pesquisadores testaram o açaí, o açafrão e o urucum como substitutos do corante azul de tripano. “Determinamos uma quantidade, uma solução, uma metodologia para produção e uso desses corantes. Os três se mostraram muito bons. Se for para aplicar a técnica para dar aula sobre fungos, por exemplo, dá para usar qualquer um dos três. Se é para aplicar em uma pesquisa e você quer os dados próximos aos do azul de tripano, o açaí é o que mais se aproxima dessa qualidade”, relata Santana.
Segundo os pesquisadores, a técnica de coloração alternativa mantém a qualidade na análise das imagens. “Podemos usar de forma segura e eficaz esses elementos regionais como corantes”, garante Lara. Além de não serem tóxicos, os elementos regionais também evitam a poluição ambiental. “Não temos aqui como descartar adequadamente o rejeito do azul de tripano. Não podemos simplesmente despejar na pia, poluindo o ambiente”, avalia o coordenador.
Segunda fase - Com a eficácia dos reagentes “caseiros” e a possibilidade de usar corantes regionais mais acessíveis, as pesquisas continuaram. No entanto, outro problema foi encontrado: a pureza dos produtos regionais para formulação dos corantes. “A qualidade da coloração não era suficientemente boa para aplicar em pesquisas científicas, pois os corantes regionais não apresentam concentração definida e isso interfere na metodologia já estabelecida e, consequentemente, nos resultados”, explica Túlio. Em se tratando do açaí, há períodos entre as safras em que a polpa aumenta de preço e varia quanto à concentração.
A regionalidade dos produtos usados na formulação dos corantes impede um padrão de qualidade. “Considerando que a gente não encontra açaí, urucum ou açafrão facilmente em todas as localidades do Brasil ou do mundo, existe uma limitação de acesso. Nós utilizamos a polpa do açaí pura, altamente consistente. É diferente de usar um açaí diluído ou misturado com farinha de trigo, por exemplo. Isso implica na qualidade do experimento”, pondera Marcos.
Nesse momento, a equipe iniciou a segunda fase da pesquisa com corantes para micorriza, em busca de uma padronização da fórmula. “Queríamos um corante menos tóxico e mais acessível, mas que proporcionasse um padrão”, conta Marcos. Foi assim que eles chegaram aos corantes alimentícios industriais. “São produtos padronizados, que apresentam uma constância. A variabilidade é muito menor do que quando utilizamos açaí ou urucum, além de serem encontrados em cores diferentes”, acrescenta Túlio.
Além disso, com o uso dos corantes alimentícios a intensidade da cor é mantida, mesmo quando o material precisa ser guardado na geladeira para análises posteriores. “Quando guardamos as raízes no azul de tripano, elas continuam aderindo à cor, vão ficando cada vez mais escuras e isso atrapalha as análises. Com os corantes alimentícios, isso não acontece”, esclarece Marcos.
Os pesquisadores finalizaram os testes com os novos corantes de comida e garantem a qualidade na coloração de todas as espécies vegetais testadas até o momento. Outro benefício apresentado pelos corantes naturais é a possibilidade de uso em sala de aula, no ensino sobre fungos aos alunos de graduação e pós-graduação. “Geralmente, quando falamos sobre FMA, fica muito na base da ilustração, porque não temos como mostrar os fungos para os alunos, só através das raízes mesmo. Mas como posso ensinar sobre fungos usando um corante tóxico? Não podemos expor os alunos dessa forma. Além disso, numa sala com 50 alunos, uma aula prática sobre fungos ia requerer uma quantidade grande de reagente. Usando corantes naturais fica mais acessível e os alunos podem manipular à vontade”, encerra Marcos.
A partir das descobertas, a equipe da Ufopa prossegue com as pesquisas acerca do potencial dos FMAs nativos da região rumo ao biofertilizante compatível com as tendências de desenvolvimento e sustentabilidade. Além de Túlio e Marcos, integram a equipe de pesquisa os acadêmicos Manoel Kledson Barbosa, aluno do curso de Ciências Biológicas, e Haroldo Miranda Júnior, aluno de Agronomia.
Renata Dantas - Comunicação/Ufopa
22/7/2019