Ultima atualização em 17 de Abril de 2019 às 14:52
Estudos da Ufopa foram destaque em edição especial do Globo Repórter
A Amazônia é conhecida pelas florestas tropicais de terra firme, famosas pelas árvores de grande porte e pela megadiversidade. Atravessada por grandes rios, também abriga em parte do território uma considerável área úmida: 30% são ocupados por zonas ripárias, formadas por igarapés e florestas alagáveis. Apesar da notável presença, os estudos sobre esses ambientes ainda são poucos.
Desde 2017, a Rede Ripária reúne pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para descobrir como as áreas úmidas da Amazônia funcionam e como as espécies de plantas se adaptam a esses ambientes. Com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o programa multidisciplinar é liderado pelo Inpa. Na Ufopa, participam da rede os professores Thiago André e Leidiane Leão, do Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA), Amanda Mortati, do Instituto de Biodiversidade e Florestas (Ibef).
A vegetação ripária, destacada na edição especial do programa Globo Repórter sobre Alter do Chão, é aquela que fica às margens dos cursos de água, sob influência de inundações. Quando o rio sobe e alaga a vegetação ripária, a quantidade de oxigênio do solo diminui, dificultando a respiração das plantas, que é feita principalmente pelas raízes. Mesmo sob a água, essas plantas conseguem resistir, graças às adaptações desenvolvidas ao longo de milhares de anos.
A rede concentra pesquisas em três bacias hidrográficas: a do rio Abacate, que fica na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã, no Amazonas; a do rio Falsino, na Floresta Nacional do Amapá; e a do rio Cupari, na Flona do Tapajós, Pará. Os três sítios apresentam características bem diferentes em relação à composição e configuração dos rios, permitindo a observação de uma grande variedade de ambientes.
Ao longo de cada bacia, foram estabelecidas 21 parcelas para coletar dados relativos às águas dos rios e lençóis freáticos, à chuva, e ao solo e vegetação. As informações são cruzadas e comparadas para detectar padrões de ocorrência e distribuição de plantas ripárias em relação, por exemplo, ao nível de inundação a que são submetidas.
De acordo com os pesquisadores, ter dados precisos de como é o funcionamento natural, isto é, sem interferência humana, de um sistema tão diverso é importante para propor medidas de recuperação de áreas degradadas. A bióloga Amanda Mortati explica que, “quando entendemos um pouco da variação natural do sistema, conseguimos dimensionar melhor a magnitude do efeito antrópico. Saber qual o efeito, sua extensão e intensidade é o passo que tem que ser dado para recuperar”.
“Em geral, na Amazônia, a gente não conhece como o sistema naturalmente funciona, porque é muito complexo. Ainda estamos tentando entender essa complexidade, mas claro que num ritmo acelerado porque a degradação está vindo muito rápido”, complementa Thiago André.
Vegetação resistente
Um dos pontos observados é a quantidade de espécies que ocorrem em cada local. As florestas de igarapés, de terra firme, têm uma quantidade maior que as alagáveis. “Quanto mais tempo a vegetação fica alagada, quanto maior a cota de inundação, menos espécies resistem. Então, há uma simplificação na composição de espécies dessas áreas que são extremamente alagadas, que são os igapós e várzeas”, afirma Amanda.
Por outro lado, análises preliminares detectaram que as áreas intermediárias da bacia – aquelas que não estão na terra firme, tampouco na planície de inundação – podem apresentar os maiores valores de diversidade de árvores, como é o caso da bacia do Rio Cupari.
Segundo o estudo, outro fator que interfere no crescimento da vegetação é a característica do rio. Rios de água branca, como o Amazonas, são mais ricos em nutrientes e “alimentam” o solo com os sedimentos que carregam. Eles irrigam as florestas de várzea, que são mais produtivas. Já os rios de água clara têm um pH mais ácido, como o Tapajós, nascem em áreas de solo muito antigo e não trazem tantos sedimentos. Eles abastecem as áreas de igapó, que crescem mais devagar.
Estudos genéticos
Os pesquisadores afirmam que a dinâmica de funcionamento é mais fácil de ser compreendida em pontos extremos. Na foz do rio Abacate, por exemplo, há apenas uma espécie de planta, a macacarecuia (Eschweilera tenuifolia), também muito comum nos igapós do Baixo Tapajós. Segundo Amanda, isso ocorre devido ao terreno plano e aberto, que favorece um grande nível de alagamento e no qual apenas aquela espécie é capaz de sobreviver.
Porém, o que ocorre na zona intermediária ainda é pouco conhecido. “Conseguimos entender bem o que é uma floresta totalmente alagável monoespecífica [com apenas uma espécie vegetal]. E temos a máxima diversidade de áreas úmidas nos igarapés, na terra firme. Entre esses dois extremos, existe um intermediário que é gigantesco, e que conhecemos pouco”, comenta Amanda.
As ferramentas moleculares podem auxiliar a responder algumas questões, principalmente quanto à evolução das espécies. Em que ponto do rio uma planta que ocorre lá no igarapé começa a demonstrar sinais de adaptação para áreas mais encharcadas? O arumã (do gênero Ischnosiphon), bastante usado por indígenas para confecção de cestarias, ocorre ao longo de todas as três bacias e está sendo estudado para que os pesquisadores identifiquem essas variações.
“Temos amostras da mesma espécie de planta que tanto está sob a condição extrema de alagamento dos igapós quanto aquelas que estão em volta dos igarapés. Vamos detectar claramente em que ponto intermediário desse gradiente começamos a ver o sinal da seleção natural que a pressão do alagamento está fazendo nas populações”, detalha Thiago.
Já foram coletadas amostras de folhas da planta do gênero Ischnosiphon em 9 pontos de cada bacia. Agora, o desafio é sequenciar os DNAs e compará-los entre si para detectar onde estão as alterações.
Pesquisas integradas
A aproximação entre as instituições já rendeu, além da rede, um acordo de cooperação para o fortalecimento de grupos de pesquisa, a criação do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade da Ufopa (PGGBEES) e a aprovação em edital do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad), também entre a Ufopa, o Inpa e a Unifap. Na Ufopa, as pesquisas em biodiversidade envolvem um grupo atuante de professores do ICTA, Ibef e Iced, além de estudantes de graduação e pós-graduação.
Luena Barros, Comunicação/Ufopa
15/4/2019