Criado em 16 de Dezembro de 2021 às 09:38
Mais de vinte anos atrás, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) iniciaram um estudo piloto para integrar os estudos ecológicos de vários organismos monitorando a biodiversidade em áreas da vila balneária de Alter do Chão, no município de Santarém, no Pará.
Os estudos foram padronizados a partir do final da década de 1990 e se tornaram o embrião para a criação do Sistema RAPELD (protocolo de pesquisas para estudos rápidos (RAP) em pesquisas ecológicas de longa duração (PELD)). Esse sistema vem sendo utilizado no sítio de pesquisa ecológica de longa duração do Oeste do Pará (Popa) em um estudo de revisão acerca dessas pesquisas padronizadas e de longa duração sobre a biodiversidade na região.
Ao longo dos anos, os pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e do Inpa instalaram e mantiveram plots de monitoramento de pesquisa permanentes em uma mancha de savana amazônica perto da vila de Alter do Chão. Plots são parcelas permanentes onde os pesquisadores retornam periodicamente para medir a biodiversidade e o que possivelmente a afeta. As savanas amazônicas são formadas por uma vegetação de porte baixo, com árvores tortuosas e a maior parte de gramíneas. São semelhantes às savanas presentes no Cerrado brasileiro, mas com menor diversidade de espécies. Atualmente, as savanas amazônicas constituem um ecossistema ameaçado, cobrindo apenas 6% do bioma Amazônia.
A maior parte dos estudos produzidos pelos cientistas ao longo desses anos focaram em três questões ecológicas de longo prazo, que remontam à época dos estudos originais: Quais são as forças ecológicas que mantém a tensão entre as savanas e florestas? Quais são as respostas de curto, médio e longo prazo da fauna ao fogo e outras variáveis ecológicas localmente e globalmente importantes? Quais são as influências naturais da fragmentação florestal natural e das características da paisagem sobre a flora e a fauna?
Ao longo dessas décadas, a pesquisa realizada na área de Alter do Chão já soma a publicação de 70 artigos científicos e 31 dissertações de mestrado e teses de doutorado. “Este estudo é importante porque sintetiza os esforços de pesquisa conduzidos por diversos grupos de pesquisadores. Pesquisa que resultou no avanço do conhecimento científico sobre a biodiversidade das savanas, na formação de jovens cientistas e no auxílio à criação de políticas públicas que beneficiam os moradores da região de Alter do Chão”, destaca o pesquisador da Ufopa, Rodrigo Fadini, que integra o PELD Oeste do Pará (Popa).
Uma típica área de savana em Alter do Chão, com predominância de gramínea. Foto: Rodrigo Fadini
O estudo acaba de ganhar novo destaque com a publicação de mais um trabalho científico. O artigo Long-term standardized ecological research in na Amazonian savanna: a laboratory under threat (Pesquisa ecológica de longa duração em uma savana amazônica: um laboratório ameaçado, em tradução livre para o Português), publicado em dezembro de 2021 nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, sintetiza algumas respostas às três principais questões elaboradas pelos pesquisadores anos atrás.
Resultados – De acordo com as conclusões publicadas, o fogo e o solo são importantes para a manutenção da tensão entre a floresta e a savana. A textura do solo mais argilosa e a maior concentração de potássio nos solos das florestas do que das savanas beneficia a formação e manutenção de uma estrutura mais arbórea. O solo interage com o fogo, que só adentra às florestas em anos de estiagem prolongada.
Concluiu-se também que o fogo parece não afetar populações de roedores e de lagartos que habitam as savanas da região. Esses animais desenvolvem estratégias comportamentais que permitem maior resiliência. Já a estrutura da vegetação das savanas é fortemente afetada pelo fogo, o que pode prejudicar alguns animais indiretamente.
Além disso, verificou-se que fragmentação natural que ocorre nos fragmentos florestais em Alter do Chão parece afetar alguns grupos de espécies (como árvores, aves e formigas), mas não outros (como morcegos e pequenos mamíferos não voadores). “As estratégias desenvolvidas pelas espécies para superar a matriz de savana que circunda os fragmentos parecem ser fundamentais para determinar as respostas de cada grupo”, esclarece Fadini.
Uma erva-de-passarinho (Psittacanthus biternatus), planta parasita que ocorre nas savanas e igapós e floresce o ano inteiro. Foto: Rodrigo Fadini
De acordo com o pesquisador, o desenvolvimento de pesquisas na região ajudou na criação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Alter do Chão em 2003, iniciativa com forte participação popular. No entanto, ela não foi suficiente para ordenar a ocupação do território pelos empreendimentos imobiliários na região. “Nos últimos anos, diversas parcelas foram destruídas por loteamentos clandestinos, construções irregulares, construção de estradas e outros empreendimentos que não levam em conta a existência de uma Unidade de Conservação ali”, enfatiza Fadini. Além disso, após quase 20 anos de sua criação, a APA Alter do Chão ainda não produziu seu plano de manejo, gerando insegurança para a continuidade das pesquisas.
“Apresentamos os resultados desses estudos padronizados realizados nas savanas e fragmentos florestais próximos a Alter do Chão, mas também discutimos os prospectos futuros e as ameaças ao sítio de estudo, ressaltando a importância de incorporar os moradores de Alter do Chão no planejamento de uso da terra daquela região”, conclui.
Um loteamento que avançou sobre uma savana próxima à Alter do Chão. As savanas amazônicas ainda não possuem uma legislação de proteção específica e são passíveis de desmatamento. Foto: Edson Varga Lopes.
Renata Dantas, Comunicação/Ufopa
13/12/2021