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14/11/2013 - BLOG DO JESO - Positiva
8 de Junho de 2020 às 21:29
Ufopa, oportunidade para Amazônia e o Brasil
por Manuel Dutra (*)
Poderíamos caminhar para um efetivo modelo de universidade amazônica que, sem renegar as práticas salutares hoje existentes, introduziria um novo jeito de pensar e produzir o conhecimento
A UFOPA, Universidade Federal do Oeste do Pará, nasceu há quatro anos com "forte apelo amazônico", como se lê na janela institucional do site disponível na internet. É justamente esse apelo que não deve ser desperdiçado, sob pena de se construir mais uma universidade, num lugar estratégico no coração da Amazônia.
Em alguns momentos tive a oportunidade de testemunhar o esforço de seu primeiro reitor, o professor José Seixas Lourenço, no sentido de dar partida a esse caminho capaz de dotar a primeira universidade no interior da imensa região como uma instituição efetivamente dedicada a produzir conhecimento sobre este pedaço do planeta que tanto chama a atenção universal sobre as suas enormes riquezas naturais e culturais.
Às vésperas de passar pela primeira eleição de reitor, é de se esperar que essa experiência inicial não apenas seja preservada, mas que seja aprofundada. Esta universidade, situada no interior do Pará, bem pode se transformar num paradigma, no sentido de internalizar o fato de que o grande laboratório, o local por excelência da pesquisa é a própria Amazônia-lá, num fazer científico que não deve priorizar o laboratório-aqui.
No mundo inteiro as universidades nasceram preferencialmente como instituições urbanas, muitas das quais vão "a campo" coletar os materiais para as suas investigações e especulações científicas.
Quem sabe, a UFOPA, pelas particularidades amazônicas, poderia inverter essa dinâmica, fazendo, como seu local privilegiado de atuação, os hábitats e a oikos, ambiente e morada próprios da flora, dos rios, da fauna e das culturas diversificadas aqui existentes, a biodiversidade em geral, o clima com suas implicações planetárias, e muito mais.
Seriam estes os elementos primeiros do chão da pesquisa que, num segundo momento, poderiam ser levados para a distância do laboratório urbano, nos casos em que isso se faz necessário.
Seria o princípio do aprendizado e da pesquisa no lugar mais apropriado, isto é, onde se encontra o manancial natural e cultural a ser apreendido e pesquisado. Um novo conceito de universidade amazônica e não somente uma universidade, por seus prédios e demais instalações, geograficamente localizada num pedaço urbano da Amazônia, de onde os pesquisadores saem em "expedições" tal como no passado o fizeram os viajantes.
Agora, o percurso seria em sentido inverso: o cientista "viajaria" às cidades trazendo o produto do seu trabalho, revelando metodicamente aqui fora o que lá dentro existe, como produto de metodologias renovadas e hipóteses localmente produzidas, construídas a partir do empírico, a experiência de vida como substrato.
Se não for assim, uma universidade inaugurada no interior da Amazônia pode correr o risco de falar uma linguagem muito próxima a qualquer outra instituição que se dedica a conhecer as riquezas
naturais e culturais da região: à distância, mesmo que fisicamente próximas e até "dentro" da região.
Para isso, há a necessidade de revolucionar o modo de pensar, pois, entre outras diferenças, o pesquisador seria/será alguém com os pés literalmente no chão das florestas e das várzeas, labutando em institutos avançados, e por isso os mais importantes, lá na distância para onde, antigamente, incursionavam.
Assim, o ambiente primeiro da UFOPA, e de qualquer outra instituição que se pretenda amazônica, deve considerar as suas salas de aula e seus escritórios urbanos em segundo plano.
O primeiro plano é o mundão amazônico, onde se aplicariam/aplicarão a metodologia de todas as áreas científicas que o momento exige. Lá, e não aqui, seria/será o local de trabalho do pesquisador, seja no âmbito dos saberes sobre a natureza (pois ela está lá de modo privilegiado) e não aqui, aonde o que vem de lá tende a continuar sendo visto como objetos exóticos que precisam de explicações urbanas, tradicionais, forma de tentar ajustar a realidade a um modo de pensar, e não oposto. É deste oposto que precisa a Amazônia.
Em 2005, na primeira edição de meu livro "A natureza da mídia: os discursos da TV sobre a Amazônia, a biodiversidade, os povos da floresta", escrevi o que segue:
"É, portanto, necessário que o pesquisador fique atento para os erros de teorias determinísticas a partir do meado do século XX, elaboradas por cientistas alguns deles com vínculos muito próximos ao governo dos Estados Unidos e, inclusive à CIA e ao Departamento de Estado (ROOSEVELT, 1991, p. 106) a partir do momento em que aquele país consolidava a sua hegemonia mundial e tinha interesses particulares sobre a América Latina. Discursos diretamente interessados na invisibilização dos grupos humanos tanto de ontem quanto de hoje na Amazônia. Diz Roosevelt (idem, p. 104): "A teoria do determinismo ecológico tem tido uma força muito grande, dominando as abordagens teóricas da antropologia amazônica e influenciando o rumo da pesquisa e a interpretação dos dados".
"Não é, assim, casual, que as noções que polarizam abundância de recursos versus pequenez do homem da Amazônia, somada ao desconhecimento da região, estejam presentes também em textos contemporâneos".
Essa preocupação de Anna Roosevelt, notadamente quanto ao determinismo ecológico, ou geográfico, pode muito bem ter sequência a partir de novos modos de pesquisa, novas metodologias que poderiam/poderão brotar da vivência do pesquisador in situ.
Este não apenas incursionaria ao ambiente amazônico, mas lá residiria por um tempo suficiente, em ambientes que seriam mais que estações ecológicas, mas autênticos campi universitários, com todos os recursos para a pesquisa, residências condignas para os pesquisadores que para lá poderiam, inclusive, levar as suas famílias por certo tempo.
Nesses campi verdadeiramente avançados o pesquisador seria, ao mesmo tempo, agente de investigação e objeto a ser investigado, na sua interação diuturna com o ambiente natural e em contato produtivo com as culturas locais, com as quais permutaria saber, no confronto entre a ciência estabelecida e o conhecimento milenar.
Nesses campi seria obrigatória a realização de cursos de pós-graduação, nos níveis de mestrado e doutorado e mesmo com a introdução de estágios de pós-doutorado. Daqui sairia/sairá uma numerosa e renovada geração de pesquisadores, capazes de produzir a inovação de que tanto a Amazônia necessita nos mais diversificados campos do saber, para a produção das tecnologias apropriadas ao seu chão natural e humano.
Poderíamos, assim, caminhar para um efetivo modelo de universidade amazônica que, sem renegar as práticas salutares hoje existentes, introduziria um novo jeito de pensar e produzir o
conhecimento a partir de dentro, e não mais, apenas, um conhecimento produzido en passant, com relatórios apressados, a despeito da dedicação de tantos homens e mulheres que se esforçam nessa tarefa.
Claro que não seria nem será uma experiência isolada, mas fruto de intenso e produtivo debate entre cientistas e forças progressistas da sociedade, interagindo com cientistas de outras instituições brasileiras e estrangeiras, particularmente com pesquisadores oriundos dos demais países amazônicos.
Dessa forma, com um novo conhecimento, o Brasil e os demais países por onde se estende este pedaço privilegiado do planeta, poderíamos dizer: nós possuímos a Amazônia, já que - é senso comum - não possuímos aquilo que desconhecemos. Menos ainda quando outros a conhecem melhor que nós.
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* Santareno, é jornalista e professor doutor da UFPA (Universidade Federal do Pará).