Ultima atualização em 22 de Julho de 2020 às 21:43
17/02/2016 - InfoAmazônia - Ufopa sendo citada
22 de Junho de 2020 às 16:35
Amazônia extrema: sem chuva, ribeirinhos são obrigados a se adaptar
InfoAmazônia
quarta-feira, 17 fevereiro 2016
*Texto originalmente publicado no Blog do Infoamazonia, por Camila Fróis, Flávio Forner, Stefano Wrobleski e Thiago Medaglia
Vivendo às margens do Rio Tapajós, na Amazônia paraense, Maria do Socorro caminha até oito vezes por dia para buscar baldes de água no lago mais próximo da sua casa, mas, com a seca, a água fica tão suja que não serve para o consumo humano. Para beber, tem que ir até a casa de uma vizinha que tem um poço artesiano e pedir água. FLAVIO FORNER/XIBÉ/INFOAMAZONIA
O clima está mudando na Amazônia. Os eventos extremos, de forte seca ou muita chuva, estão cada vez mais agressivos e as populações locais têm sido forçadas a encontrar novos meios de sobreviver com um clima cada vez menos previsível. No meio da Amazônia paraense, os ribeirinhos das margens do Rio Tapajós são alguns dos mais impactados.
A equipe do InfoAmazonia esteve na região no fim de 2015 e ao longo de uma semana visitou comunidades ribeirinhas e sobrevoou a Floresta Nacional do Tapajós. A estiagem naquele momento fora muito além do normal: 120 dias sem uma única gota de chuva na região.
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Edinelson Fonseca, 62 anos, nasceu e foi criado na comunidade do Jamaraquá. Enquanto avista o rio ao longe, sentado na praia, ele conta em tom nostálgico sobre épocas de temperatura mais frescas, árvores frutíferas mais carregadas e os rios mais fartos em peixes.
“Hoje, os peixes nos lagos estão morrendo por causa da água quente. Se é pra pescar aqui no rio, a pessoa tem que ficar uma manhã inteira pra pegar um tucunaré. E às vezes nem pega”.
Veja a entrevista completa
Para as pessoas que vivem no interior da região, assim como os moradores da bacia do rio Tapajós, é o vai-e-vem das águas que redesenha as paisagens, dita o ritmo do cotidiano e exige diferentes mecanismos de adaptação ao longo do ano. São seis meses de cheia e seis meses de seca, quando a água chega a recuar 100 metros da margem. O índice de precipitação pode variar de zero, nos meses de setembro e outubro, a 700 milímetros no mês de março, em anos de maior variabilidade – como foi 2009, em que se registrou uma grande cheia. As estiagens extremas aumentam as distâncias – dificultando o acesso e o transporte de alimentos –, provocam perdas de lavouras e deterioram a qualidade do ar.
Mapa da região da Floresta Nacional do Tapajós
Já as cheias transformam as casas das comunidades de várzea em ilhas de palafita. Quando a água sobe mais do que o previsto, bases de madeira elevam os móveis a alturas cada vez mais próximas ao teto. Pequenas plantações são suspensas e os animais domésticos são levados para a segurança da terra firme. Enquanto isso, muitos dos peixes selvagens deixam o leito dos rios e invadem a floresta alagada, o que dificulta a pesca.
A adaptação à dinâmica das águas é uma realidade para os ribeirinhos, mas as alterações no cenário tem trazido novos desafios. Segundo o doutor em Ecologia, Paulo Brando, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), na última seca prolongada, em 2010, 57% da Floresta Amazônica registrou menos chuva que o normal, impondo a necessidade de novas estratégias de sobrevivência na região. A estiagem reduziu as chuvas em uma área de três milhões de quilômetros quadrados da floresta.
Cena comum no porto de Santarém e nas áreas de várzea próximas ao município. Nas secas fora de padrão, o baixo nível baixo dos rios provoca riscos de encalhamento, dificulta o transporte e aumenta as distâncias de comunidades já isoladas, que dependem essencialmente da navegação para se descolar. FLAVIO FORNER/XIBÉ/INFOAMAZONIA
Enquanto as pesquisas meteorológicas tentam relacionar as principais causas da alteração dos padrões de temperatura e intensidade de chuvas, a professora de Ecologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Pinho, quer entender os reais impactos dos chamados eventos extremos na vida das comunidades tradicionais: “Quando se fala na Amazônia, é comum mencionar o balanço de carbono, a rica biodiversidade e a maior fonte de água potável do mundo, mas precisamos humanizar nosso discurso e lembrar que 30 milhões de pessoas vivem ali”, diz a pesquisadora autora do artigo “Dinâmicas socioecológicas complexas impulsionadas por eventos extremos na Amazônia”.
Na seca deste verão, os brigadistas da Floresta Nacional do Tapajós, como Giovane Oliveira, receberam entre três e quatro chamados por dia para combater incêndios. Os focos da região, combinados com a seca, fizeram substituir a costumeira bruma matinal de vapor d’água desta porção da Amazônia paraense por uma densa fumaça, atingindo grandes cidades da região Norte do Brasil. FLAVIO FORNER / XIBÉ / INFOAMAZONIA
Em meio a castanheiras de 30 metros de altura, o caminho de Santarém, no Pará, até a comunidade Jamaraquá, na Floresta Nacional de Tapajós, era tomado por um cheiro forte de fuligem oriundo de uma área acinzentada com restos de troncos há pouco carbonizados. Por duas semanas, a fumaça invadiu o quintal de comunidades vizinhas e tomou conta das casas de moradores. Relatos de tosse, ardência nos olhos e dificuldade para respirar tornaram-se frequentes.
O fogo é usado tradicionalmente na Amazônia como uma técnica barata para abrir pastos para o gado ou mesmo áreas de pequenos cultivos. Nos períodos de estiagem, as chamas se alastram com facilidade, avançando sobre unidades de conservação como a Flona Tapajós, deixando comunidades inteiras debaixo da fumaça.
Segundo o climatologista Júlio Tota, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), as causas estão interligadas. “Mudar a floresta para pastagem tem efeito direto e imediato no clima: a temperatura aumenta e as chuvas diminuem”, afirma o cientista. A falta de chuva, por sua vez, torna o clima mais seco e a floresta mais “inflamável”.