Desculpe, o seu navegador não suporta JavaScript!

Ultima atualização em 24 de Janeiro de 2020 às 12:38

Eleições na Ufopa: entre a legalidade e a legitimidade, por Valdomiro Sousa e Ib Tapajós

16/3/2018-Jeso Carneiro-Neutra

24 de Janeiro de 2020 às 12:37

Eleições na Ufopa: entre a legalidade e a legitimidade, por Valdomiro e Ib

Valdomiro Sousa e Ib Tapajós, pensata

por Valdomiro Sousa e Ib Tapajós (*)

As lutas dos movimentos sociais, quando alcançam certo grau de desenvolvimento, são capazes de inscrever, no interior do Direito e das instituições do Estado, avanços democráticos que permitem maior participação da sociedade nas tomadas de decisão.

No campo educacional, os movimentos sociais da educação conseguiram positivar, com status constitucional, o princípio da gestão democrática do ensino público.

No entanto, o Estado brasileiro se caracteriza por ser profundamente antidemocrático e antipopular: as conquistas da sociedade são limitadas por estruturas e princípios de concentração do poder, que também estão inscritos no Direito positivo.

Assim, as lutas dos movimentos sociais levam para as instituições do Estado uma tensão permanente entre Direito e Democracia, entre legalidade e legitimidade.

Nas universidades federais, essa tensão fica escancarada com certa frequência, como se percebe atualmente na UFOPA, por ocasião da sucessão da Reitora Raimunda Monteiro.

Após um processo eleitoral acalorado, com a participação de 5 chapas (das quais a chapa formada por Hugo Diniz e Aldenize Xavier foi a mais votada), a comunidade acadêmica está com receio de que a escolha das urnas não seja respeitada pelo Conselho Superior Universitário (CONSUN) e pelo Governo Federal.

Segundo a legislação vigente (Lei nº 5.540/1968, alterada pela Lei nº 9.192/1995, e Decreto nº 1.916/1996), a comunidade universitária não elege diretamente seu Reitor, mas é ouvida em um processo de consulta, antes da formação da lista tríplice, que deve ser composta por 3 professores doutores.

O CONSUN, órgão colegiado máximo da Universidade, aprova a lista tríplice e a encaminha ao MEC, para posterior nomeação de um dos três professores pelo Presidente da República.

Em razão do modo como a escolha dos Reitores é regulamentada, há sempre a possibilidade, em tese, de que a vontade das urnas não seja respeitada, pois o Governo Federal pode escolher qualquer um dos três docentes da lista tríplice.

Historicamente, porém, a pressão da comunidade acadêmica tem feito com que o candidato mais votado seja nomeado e empossado como Reitor. A consigna histórica é: “Reitor eleito, reitor empossado”, que expressa o espírito democrático dentro da Universidade pública.

Quando há sinais de que a vontade da maioria não seja acatada, conflitos intensos tendem a ocorrer.

É o que se passa atualmente na UFABC e na UFOPA, duas universidades criadas há poucos anos e que se deparam com a ameaça de nomeação de Reitores que não foram aprovados pela comunidade acadêmica.

No caso da UFOPA, após a consulta à comunidade em 05 de dezembro de 2017, o CONSUN reuniu-se para aprovar a lista tríplice, que foi formada pelo candidato da chapa mais votada (Hugo Diniz), pela sua vice (Aldenize Xavier) e por um terceiro professor (Domingos Diniz) indicado pela chapa mais votada. Essa forma de elaboração da lista consta no Regimento Eleitoral que foi aprovado pelo próprio CONSUN, em Setembro/2017.

No entanto, em Ofício do dia 22 de fevereiro de 2018, o MEC informou à Reitoria da UFOPA que a lista tríplice não foi aceita, por dois motivos:

a) não é válida a definição da lista tríplice fora do CONSUN;
b) o colegiado que aprovou a lista não é composto por 70% de docentes.

Destarte, além do problema da lista tríplice, outro fantasma veio atormentar a UFOPA: a exigência legal (entendida por muitos como ilegítima, inclusive pelo Sindicato Nacional dos Docentes, o ANDES-SN) de que o Conselho Superior da Universidade seja composto por, no mínimo, 70% de conselheiros docentes, deixando para as demais categorias (estudantes e técnicos administrativos) apenas 30% das vagas, ou menos – regra que consta no art. 56 da LDB.

Acionada pela Reitoria, a Procuradoria Jurídica da UFOPA emitiu parecer orientando a reformulação do CONSUN para atendimento da regra dos 70%. Só um CONSUN “legal” poderia aprovar uma lista tríplice válida.

Tensionada pelas pressões da legalidade, a maioria do CONSUN tomou uma decisão extremamente problemática do ponto de vista democrático: não apenas ajustou as cadeiras do conselho à regra dos 70%, como “rebaixou” para a condição de suplentes um total de 12 conselheiros, que foram eleitos por suas categorias: 4 professores, 4 estudantes e 4 técnicos.

Assim, o CONSUN da UFOPA deixou de ser um colegiado com representatividade real da comunidade acadêmica para ser um colegiado de gestores, onde a Administração da Universidade tem um peso exagerado em comparação ao peso das 3 categorias.

Na composição anterior do CONSUN, a Gestão Superior indicava 34% das vagas, 15% eram dos diretores de institutos e 51% dos conselheiros eram indicados pelas categorias (8 discentes, 8 docentes e 8 técnicos).

Na atual composição, o peso da Gestão passou a ser de 45%, enquanto o dos diretores de institutos passou para 20%, e o das categorias para apenas 34% (4 discentes, 4 docentes e 4 técnicos).

Desta forma, a principal função do CONSUN foi esvaziada: servir como instrumento de participação efetiva da comunidade acadêmica na tomada de decisões administrativas.

A decisão recém-tomada significa uma derrota para a comunidade acadêmica e para a democracia. Em nome da legalidade, ampliou-se a concentração de poder na Universidade, tornando o CONSUN muito menos legítimo.

No atual cenário, em que 45% dos conselheiros foram indicados pela Reitoria da UFOPA, cresce o receio de que a decisão das urnas seja desrespeitada quando da elaboração da lista tríplice, marcada para a próxima terça-feira, dia 20.

Após um período de muitos embates e conflitos internos, durante toda a gestão pro tempore do Ex-Reitor Seixas Lourenço (indicado pelo MEC), a UFOPA escolheu democraticamente sua primeira Reitora em 2013.

Após a vitória eleitoral, Raimunda Monteiro precisou lutar para que a vontade das urnas fosse cumprida. Contou para isso com o apoio decisivo dos movimentos organizados dentro da Universidade, nas 3 categorias.

É estarrecedor ver agora a Reitora e alguns de seus apoiadores sinalizando que poderão, no CONSUN, votar contra a vontade das urnas.

Caso essa hipótese se confirme, ficará evidente que, para tal grupo, a democracia não é uma questão de princípio, mas apenas um instrumento retórico a ser utilizado quando for conveniente para a defesa de seus interesses.

De nossa parte, que possuímos divergências profundas com a chapa que venceu o processo eleitoral de Dezembro de 2017, fica o mesmo protesto que fizemos em 2013/2014: que a vontade das urnas seja respeitada! O CONSUN não é maior que a comunidade acadêmica (muito menos esse CONSUN que acabou de ter sua legitimidade esvaziada através do rebaixamento de conselheiros).

Mais do que uma questão de legalidade, o que está em jogo é a legitimidade da próxima gestão superior da UFOPA. Por isso, gritamos: REITOR ELEITO, REITOR EMPOSSADO!

– – – – – – – – – – – – – –

* Valdomiro Sousa é sociólogo, doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo NAEA/UFPA, e foi candidato a Reitor da UFOPA em 2017; Ib Tapajós é advogado, mestrando em Ciências da Sociedade no PPGCS/UFOPA.

 

Link: http://www.jesocarneiro.com.br/ufopa-2/eleicoes-na-ufopa-entre-legalidade-e-legitimidade.html