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Ultima atualização em 9 de Julho de 2019 às 17:44

Prefeito de Santarém condecora juiz que sentenciou como “inexistente” o território Maró, no Pará

28/6/2019 - Amazônia Real -Neutra- UFOPA SENDO CITADA

9 de Julho de 2019 às 17:40

No último dia 22 de junho, o prefeito de Santarém (Pará), Nélio Aguiar (DEM), no bojo das comemorações pelo 358da cidade, concedeu ao juiz federal Airton Portela a medalha Padre João Felipe Bettendorf. A medalha é uma forma de se homenagear pessoas importantes no desenvolvimento da cidade, considerada a maior honraria do poder executivo.

Além do juiz federal, receberam a medalha o atual governador do Estado, Hélder Barbalho (MDB), policiais militares e personalidades da sociedade Santarena envolvidas em projetos de assistência social.

Em 26 de novembro de 2014, o juiz federal Airton Portela determinou em sentença a inexistência da Terra Indígena Maró, negando a validade jurídica do relatório de identificação e delimitação do território, onde vivem indígenas dos povos Borari e Arapium. Mas, em fevereiro de 2015, a Justiça Federal, em decisão do juiz Érico Freitas Pinheiro, suspendeu a sentença de Portela, atendendo à apelação do Ministério Público Federal (MPF).

A recente condecoração do juiz Airton Portela gerou protestos por parte de indígenas e movimentos sociais no estado do Pará. “A decisão dele para nós foi uma negação da nossa existência enquanto povos indígenas. Negação da nossa história, negação dos nossos processos próprios. Só que essa sentença dele chegou em um momento em que nós já tínhamos toda uma organização, toda uma consciência, o que tornou que a gente não aceitasse, como não aceitamos essa sentença”, afirmou o antropólogo indígena Florêncio Vaz, cuja tese de doutorado trata justamente da reorganização do movimento indígena na região.

“A condecoração dada ao juiz pelo prefeito significa que a prefeitura de Santarém, na pessoa do prefeito Nélio Aguiar, concorda com essa política de negação dos povos indígenas do Município de Santarém”, conclui o antropólogo e professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

Vaz é citado na sentença do juiz Airton Portela como responsável por uma “catequese etnogênica”, ou seja, que estaria ele criando falsos índios na região do Baixo Tapajós.

Para Aricélia Fonseca, estudante de Direito e pertencente ao povo Arapium, a homenagem da prefeitura de Santarém “representa uma afronta do governo municipal aos indígenas”.

“É um desrespeito aos povos indígenas, que são a população tradicional, que viveu aqui bem antes de Santarém ser essa cidade. Santarém foi construída em cima de nossas aldeias, em cima de nosso território”, afirma a indígena.

Uma nota de repúdio assinada por representantes de 25 entidades, que compõem o movimento indígena local e outros movimentos sociais de Santarém, foi divulgada no dia 21 de junho. “Quando esteve responsável pela Justiça Federal em Santarém, esse magistrado [Airton Portela] publicou uma sentença com conteúdo racista e discriminatório contra os povos indígenas da região. Contrariando o princípio de autorreconhecimento étnico, afirmou que os Borari e Arapium da Terra Indígena (TI) Maró não são índios, mas caboclos”, afirma a nota.

Entre as entidades que assinam a nota estão o Conselho Indígena do Maró, o Grupo de Consciência Indígena, o Diretório Acadêmico Indígena da UFOPA, o Conselho Indígena dos rios Tapajós Arapiuns e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém. 

Procurado pela reportagem da Amazônia Real, o prefeito Nélio Aguiar não se pronunciou sobre a homenagem ao juiz até a conclusão desta reportagem.

Sentença controvertida

 

A sentença do juiz Airton Portela foi proferida em dezembro de 2014. Na decisão, o magistrado classifica os indígenas como “falsos índios” e declara como nula a demarcação da TI Maró e “a inexistência de vínculo étnico com a improvável etnia Borari ou extinto povo Tapajó”.

O juiz Portela também declarou “as comunidades que buscam conversão em indígenas como eminentemente cabocla tradicional da região”. A decisão foi anulada. Leia aqui a íntegra da sentença

Ainda no final de 2014, parte da sociedade santarena se mobilizou contra a sentença do juiz federal, assim como o Ministério Público Federal, a Associação Brasileira de Antropologia e antropólogos reconhecidos em seu campo, como Eduardo Viveiros de Castro, além dos estudantes da UFOPA.

Para Ib Sales Tapajós, mestre em Ciências da Sociedade, com ênfase em Direitos Humanos e Cidadania Ambiental pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), a sentença do juiz Airton Portela é polêmica e muito controvertida, envolvendo a Terra Indígena Maró, do povo Borari e Arapium, situado em um contexto de conflito com empresas madeireiras.

“Esses dois povos vem lutando há muitos anos pela demarcação do território e proteção das suas terras diante da ofensiva dos madeireiros, que se iniciou nos anos 2000”, rememora Ib Sales. Ele é pesquisador e escreveu sua dissertação de mestrado sobre a decisão de Airton Portela e a reação do movimento indígena e sua anulação pela Justiça Federal.

Segundo Ib Sales, a decisão do juiz Airton Portela “comprometeu a identidade deste território indígena. E talvez mais grave do que isso, seja o fundamento que ele usou na sentença. O fundamento que ele utilizou foi a negativa, a negação de que os Borari e os Arapium são povos indígenas”.

Os indígenas Borari vivem em territórios entre os estados do Amazonas e Pará e, segundo o Instituto Socioambiental, a população era estimada em 1.116 pessoas em 2014. Já no estado do Pará os índios Arapium eram 2.204 pessoas, em 2012, conforme o ISA.

A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é signatário, afirma que os povos indígenas possuem tanto o direito de autoconhecimento quanto de serem consultados quanto aos projetos de desenvolvimento a serem realizados em seus territórios. Essa convenção foi ratificada pelo Congresso Nacional passando a ser incorporada na legislação brasileira.

Ameaças do agronegócio

 

A condecoração do juiz Airton Portela acontece em um momento de extrema vulnerabilidade aos povos indígenas da região, com a expansão da soja, aumento do desmatamento, construção de hidrelétricas na Bacia do Tapajós e contaminação das águas por mercúrio.

Em manobra realizada pela câmara dos vereadores de Santarém, no final de 2018, foram aprovadas modificações no plano diretor que vão na contramão das decisões tomadas pelo processo de participação popular. Entre elas, a mais grave é a destinação de amplas áreas da região cobertas por florestas nativas ao potencial uso de monocultura de grãos, contrariando o processo decisório participativo previsto no plano diretor.

No início de junho, o governo de Jair Bolsonaro declarou que está elaborando uma proposta a ser enviada para o Congresso Nacional propondo a redução ou eliminação de mais de 60 unidades de conservação ambiental.

O governo argumenta a proximidade com obras de infraestrutura do Estado, tal como estradas, ferrovias, portos e aeroportos para tomar tal decisão, que teria como objetivo garantir a segurança jurídica de tais empreendimentos de infraestrutura.

Ao longo de todo o rio Tapajós, a expansão da soja vem acompanhada da espoliação de terras de indígenas e ribeirinhos, derrubada da floresta nativa e construção de portos de escoamento que dificultam a pesca – base da alimentação de indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Paralela à BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém, está sendo projetada a ferrovia “Ferrogrão”, para melhorar a logística do escoamento do grão, e que poderá ter efeitos devastadores na região.

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