Criado em 16 de Julho de 2019 às 17:36
22/3/2019- Terra de Direitos- Positivo
16 de Julho de 2019 às 17:36
Filha do pescador Francisco Corrêa e da artesã e barraqueira – como se chamam as pessoas que possuem barracas de comida na praia Alter do Chão – Ramira Garcia, Vandria Borari orgulharia muito seus pais, se estivessem vivos: ela será a primeira indígena mulher a apresentar um Trabalho de Conclusão de Curso em Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
A jovem da Terra Indígena Borari Alter do Chão apresentará na próxima segunda-feira, dia 25 o trabalho intitulado “Terra Indígena Borari no município de Santarém (PA): Identidade e Cidadania”. A apresentação acontecerá às 17h, na sala 212 do Campus Amazonas da UFOPA, em Santarém, no Oeste do Pará. Este será um dia marcante na Universidade, já que será a primeira vez que indígenas apresentarão o TCC em Direito lá – pouco antes de Vandria, outro rapaz indígena também apresentará seu trabalho. Vandria é a primeira mulher indígena a defender um trabalho de conclusão de curso em direito nesta universidade.
A pesquisa da jovem indígena Borari, orientada pelos professores Tulio Novaes e Lucas Vieira de Andrade, aborda temas que vão desde a invisibilização dos povos indígenas e violações de seus direitos, até medidas legislativas – como a Medida Provisória 870 – que reflete negativamente à demarcação das terras indígenas e potencializa a escala de violência e conflitos nos territórios indígenas.
Um dos pontos de destaque do trabalho é a forma de resistência dos Borari de Santarém (PA), que estão em processo de autoafirmação de sua identidade e na luta na defesa da integridade física de seu território. A terra indígena é fundamental para a sobrevivência dos Borari enquanto povo étnico.
O processo de autoafirmação também é uma das formas de superar as marcas deixadas pelo Colonialismo no século XVI, quando indígenas viveram um período de genocídio e proibição de suas tradições. Na época, muitos povos perderam seus territórios e foram dizimados. “Hoje, o povo Borari e outros povos do Baixo Tapajós revivem sua cultura, tentam revitalizar aquilo que foi perdido, negado e violado: o direito de ser e dizer o que é”, conta Vandria. Mas ela explica que esse processo vai além de superar marcas das épocas passadas. “Agora, no século XXI, é o capitalismo que quer dominar e apagar a existência dos povos”.
O trabalho também destaca como o povo Borari se relaciona com o território, tendo áreas consideradas sagradas e sítios arqueológicos onde os antepassados estão enterrados. Atualmente, os indígenas da Terra Indígena Borari continuam a luta pelo reconhecimento de seu direito originário: a terra.
Uma conquista coletiva
Vandria, que entrou no curso em 2014, é primeira das seis indígenas apresentará o TCC em Direito na UFOPA, neste semestre. Segundo informações da Universidade, 20 indígenas cursam essa graduação na Universidade.
Se seu Trabalho de Conclusão de Curso for aprovado, Vandria deve se formar em maio. Com o fim do curso, a futura advogada conta que pretende trabalhar pelo seu povo e pelas pessoas que não tem acesso à justiça – principalmente povos indígenas e comunidades tradicionais. “Não me vejo em outro trabalho: eu me encontrei”, conta.
Foi a possibilidade de trabalhar em defesa de pessoas que tem tantos direitos violados que levou Vandria a ingressar no curso, em 2014. Ela entrou na UFOPA por meio do Processo Seletivo Especial Indígena, uma política de inclusão de indígenas na universidade. Na Ufopa, há também um Processo Seletivo Especial Quilombola. “Essa política de cotas é fundamental para garantir nosso direito à cidadania”, destaca Vandria. “É a partir do conhecimento que a gente pode recorrer aos nossos direitos, pode exigir que nossos direitos sejam garantidos e sejam respeitados”, completa.
Atualmente, 443 indígenas estudam da Universidade. O Processo Seletivo Especial foi implantado na Ufopa em 2011. Vandria também destaca o fato de apenas agora uma indígena finalizar o curso de Direito. Para além, além de garantir o ingresso de indígenas na Universidade, é preciso fortalecer políticas que contribuam para que os estudantes permaneçam e finalizem seus cursos. “Existem vários fatores que pesam para os indígenas permanecerem na universidade: as vezes tem uma barreira na educação básica, alguns são bilíngues e tem dificuldade com a língua portuguesa. No próprio curso de Direito a linguagem jurídica é muito complexa”, explica. “É preciso que os professores tenham uma atenção especial a esse público”.
Entre as políticas necessárias para garantir a manutenção a de indígenas na Universidade, está a de auxílio financeiro por meio da Programa Bolsa Permanência. No entanto, alterações na política feita pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) no meio do ano passado resultou no corte de 96 bolsas voltadas a estudantes do Processo Seletivo Especial na UFOPA. Por esta razão, no início de janeiro indígenas e quilombolas ocuparam a Pró-Reitoria de Gestão Estudantil da UFOPA durante mais de uma semana, para exigir o retorno das bolsas. Após a mobilização, o MEC anunciou que retomaria parte das bolsas, mas alguns estudantes seguem sem receber o benefício.