Criado em 16 de Julho de 2019 às 17:40
22/3/2019- On-line Fatos- Positivo
16 de Julho de 2019 às 17:40
Mais de 1.200 quilômetros de distância, três cidades e cinco dias de viagem por grandes rios da Amazônia. Esse trajeto aventureiro foi percorrido por urnas funerárias que podem ter mais de 500 anos. As peças arqueológicas foram encontradas durante escavações feitas em julho do ano passado em uma comunidade rural no Amazonas. Depois de meses sob a guarda e análises do Instituto Mamirauá, na cidade de Tefé, o destino delas foi a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, onde as investigações em busca do passado e origem dessas urnas continuam.
As noves urnas funerárias pertencem à Tradição Polícroma da Amazônia, conjunto estilístico e cultural de cerâmicas arqueológicas cujos registros mais antigos datam de 1.400 anos e são encontradas das Cordilheiras dos Andes até a boca do rio Amazonas. No Brasil, essa foi uma das primeiras vezes em que urnas foram desenterradas por especialistas in situ, ou seja, retiradas diretamente do solo, conservando seu contexto original de enterramento.
Barcos, “recreios” e caminhonetes: a saga para transportar relíquias da Amazônia antiga
O deslocamento das urnas entre as duas instituições científicas foi realizado em fevereiro. Mas como deslocar cargas tão preciosas, cujo valor nem pode ser monetizado?
O transporte dos artefatos foi um desafio à parte para a equipe de arqueólogos do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O primeiro passo foi conduzir as urnas do sítio arqueológico na comunidade Tauary, de onde foram retiradas, até à sede do instituto, no município amazonense de Tefé. O percurso levou cerca de três horas a bordo de um “batelão”, espécie de barco a motor comprido característico da região.
“As urnas foram armazenadas no Laboratório de Arqueologia do Instituto Mamirauá, em um ambiente controlado e mantidas em temperatura constante durante alguns meses. Nesse período, elas passaram pelo parecer de uma conservadora e preparamos o transporte para a Ufopa”, informa Márcio Amaral, arqueólogo do Instituto Mamirauá. “Houve um trabalho de acondicionamento dessas urnas em embalagens de madeira, construídas especificamente para prevenir o impacto e demais eventualidades durante a viagem”.
Com autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), as urnas começaram a jornada até o estado do Pará no último dia 19 de fevereiro. Escoltadas por Márcio Amaral e pela arqueóloga Emanuella Oliveira, as urnas encaixotadas partiram do porto de Tefé em uma embarcação de três andares, conhecida como “recreio”, rumo a Manaus.
Um trecho de quase três dias pelos rios Solimões e Amazonas, durante o qual as urnas foram guardadas em clima refrigerado em uma suíte do barco. Chegando à capital do Amazonas, mais um deslocamento, para outro “recreio”, dessa vez com parada final em Santarém. O traslado entre embarcações contou com apoio de duas caminhonetes cedidas pelo Museu da Amazônia (Musa).
De Santarém a Manaus, foram mais dois dias de viagem até aportar na cidade às margens do rio Tapajós. Lá, a equipe da Ufopa, liderada pela arqueóloga Anne Rapp Py-Daniel, aguardava para conduzir os vasos funerários até o laboratório da universidade.
“Para a nossa felicidade, todo material chegou como saiu daqui: em perfeitas condições, sem quebra ou deslocamento de peças. Nesse sentido, foi um sucesso muito grande o transporte”, conta Márcio Amaral.
A logística para o transporte das urnas arqueológicas foi custeada pela Fundação Gordon and Betty Moore.
O transporte dos artefatos foi um desafio à parte para a equipe de arqueólogos do Instituto Mamirauá (Foto: Bernardo Oliveira)
Especialista em análises de vestígios ósseos arqueológicos, Anne Rapp Py-Daniel informa que, através do estudo desse material, a intenção é “verificar se todos os vasos são de fato urnas ou se alguns são vasos de acompanhamento. Além disso, queremos identificar quem eram os indivíduos enterrados, para isso vamos estudar os ossos em si e, dependendo do estado de conservação, buscar conhecer o sexo biológico, a idade e eventuais patologias. Caso tenhamos material suficientemente preservado também queremos fazer análises de DNA, de isótopos e datações”.
“Ademais queremos analisar o solo dentro das urnas para ver se outros elementos, como plantas ou flores, também foram colocados como oferendas junto com ossos”, destaca a pesquisadora. “Após as escavações começaremos o processo de limpeza e análise do material cerâmico, que será feito simultaneamente aos procedimentos de conservação e eventuais restauros. Esse estudo também permitirá entender como os produtores dessas urnas se relacionavam com os outros grupos humanos na região”.
Fonte: Instituto Mamirauá