Ultima atualização em 20 de Janeiro de 2020 às 11:02
17/01/2020 - G1 Santarém - Positivo
20 de Janeiro de 2020 às 21:56
Nova espécie de anfisbena descoberta em Umburanas e Sento Sé, Bahia, Brasil — Foto: Divulgação
Uma parceria entre cientistas de três universidades federais brasileiras, entre elas a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), que tem sede em Santarém, região oeste paraense, resultou na descoberta de um tipo de réptil curioso, uma nova espécie de anfisbena, ou, como é conhecida popularmente, cobra-de-duas-cabeças. A espécie que não é peçonhenta e não oferece nenhum tipo de risco foi descoberta no estado da Bahia, no bioma da Caatinga.
Segundo o coordenador do estudo, Leonardo Ribeiro, que é professor na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), apesar do nome popular, o animal não é uma serpente nem possui duas cabeças. Ele explicou que os herpetólogos – especialistas que estudam anfíbios e répteis – chamam as cobras-de-duas-cabeças de anfisbenas, nome de origem grega que quer dizer “que anda para os dois lados” e faz referência a uma criatura da mitologia grega.
O animal foi descoberto enquanto o Ribeiro estudava espécimes depositados na coleção herpetológica da Univasf, oriundos de um estudo de monitoramento ambiental para a construção de usinas eólicas no interior da Bahia, na região dos municípios de Umburanas e Sento Sé.
Ribeiro percebeu que esses animais não se encaixavam em nenhuma descrição de espécie conhecida até então, e por isso se tratava de uma espécie nova para a ciência. Ele contatou dois colegas, também professores e cientistas em outras universidades públicas, Samuel Gomides (Ufopa/Campus Oriximiná) e Henrique Costa, atualmente na Universidade Federal de Juiz de Fora, na época pesquisador pós-doutorando na Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais.
O nome científico da nova espécie é Amphisbaena acangaoba. Acangaoba é uma palavra originária da língua indígena tupi e se refere aos diversos adornos usados na cabeça durante o cotidiano dos indígenas brasileiros. O nome surgiu devido à espécie possuir um conjunto de escamas no topo da cabeça, o que lhe dá a aparência de usar um capacete. Por isso, os pesquisadores sugerem nomeá-la popularmente como anfisbena-de-capacete.
Além de ser uma homenagem à população indígena brasileira, o nome escolhido também é uma forma de chamar a atenção para a situação desses povos que continuam sofrendo com a destruição dos ambientes naturais e os conflitos com invasores nas reservas em que habitam.
Esta descoberta ressalta a importância dos estudos de impacto e de monitoramento ambiental em empreendimentos que interfiram no ambiente natural. Em um momento em que se discute um relaxamento das leis ambientais no País (caso da PL 3729/04), este achado indica a necessidade de mais investimentos para inventariar nossa biodiversidade e a necessidade de entender como os empreendimentos podem afetar as espécies.
A espécie recém-descoberta só é conhecida nos municípios de Umburanas e Sento Sé, em áreas que foram impactadas pelas obras da construção de usinas eólicas. Serão necessários estudos futuros para avaliar se a espécie é abundante ou rara na região.
Em abril de 2018, a área onde a nova espécie foi descoberta se tornou oficialmente parte da Área de Proteção Ambiental Boqueirão da Onça – um tipo de unidade de conservação que permite ocupação humana e outras atividades, como agropecuária, e até a construção de usinas. Mais importante ainda é o fato de o local ficar a poucos quilômetros do também recém-criado Parque Nacional do Boqueirão da Onça, uma área de proteção integral, ou seja, que deve ficar totalmente preservada. Apenas com novos trabalhos na região será possível afirmar se o réptil também habita o parque.
Em maio de 2018, o trio de cientistas já havia publicado a descoberta de uma outra espécie de anfisbena na mesma região, chamada Amphisbaena kiriri, em homenagem à etnia Kiriri, também conhecida como Kariri ou Cariri, que antigamente vivia em grandes comunidades nas caatingas do interior do estado baiano, e atualmente estão restritos a poucos indivíduos. A nova descoberta ressalta a importância da região como um grande santuário da biodiversidade da Caatinga.
Com a nova descoberta, chega a 27 o número de espécies de anfisbenas na Caatinga. No Brasil, são conhecidas mais de 800 espécies de répteis, sendo que, destas, cerca de 80 são anfisbenas. O país ocupa a 3º colocação mundial no número de espécies de répteis, atrás somente da Austrália (cerca de 1.100 espécies) e do México (cerca de 950 espécies).
"Ainda há muito o que descobrir no Brasil como um todo. São encontradas por aqui várias espécies novas de répteis por ano. Entretanto, os recentes cortes de verbas na área da educação e da ciência trazem grandes preocupações. Sem esse dinheiro não há como pesquisar e fazer ciência. Outro ponto preocupante é o relaxamento de leis ambientais”, alertou o pesquisador Samuel Gomides, da Ufopa.
O artigo científico descrevendo a descoberta da nova espécie foi publicado em janeiro no periódico internacional Journal of Herpetology, editado pela Sociedade para o Estudo de Anfíbios e Répteis (Society for the Study of Amphibians and Reptiles - SSAR), considerada a maior sociedade herpetológica internacional, com sede nos Estados Unidos.