Ultima atualização em 21 de Julho de 2020 às 22:08
2/3/2020 - Site da Andifes - Positiva
5 de Março de 2020 às 11:35
Com o objetivo de avaliar os efeitos das mudanças de uso da terra e dos distúrbios climáticos sobre a biodiversidade da floresta amazônica, um grupo de pesquisadores brasileiros e do exterior estudou os impactos da seca e das queimadas, intensificadas por um fenômeno de El Niño extremo ocorrido em 2015-2016, na população de besouros rola-bostas na região de Santarém, no Oeste do Pará.
O estudo colaborativo, liderado pelo Dr. Filipe França e pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental e Universidade de Lancaster (Inglaterra), contou com a participação da Ufopa, através do professor Rodrigo Fadini, do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade (PPGBEES) da Ufopa. Os cientistas integram a Rede Amazônia Sustentável (RAS), que também desenvolve um Projeto Ecológico de Longa Duração (PELD) na região.
A RAS vem estudando os efeitos das mudanças de uso da terra sobre a biodiversidade amazônica desde 2010. “A paisagem aqui é muito dinâmica. Neste estudo, a RAS monitora áreas de floresta madura dentro da Flona Tapajós, mas também áreas de floresta madura que foram manejadas por conta da extração madeireira, e, ainda, áreas de floresta manejada que foram queimadas tanto antes quanto durante o El Niño”, explica Fadini.
A rede tenta entender como o dinamismo na paisagem local influencia a biodiversidade e os processos ecossistêmicos, através do estudo de organismos que desempenham funções importantes para a manutenção da floresta. Foi aí que se chegou aos besouros conhecidos popularmente como rola-bostas. “É um grupo interessante por causa do grande número de espécies. São cerca de cem espécies diferentes aqui na região da Flona Tapajós. Eles possuem esse nome porque enterram as fezes de animais, fazendo bolinhas que rolam para dentro dos túneis que cavam no solo”, conta o docente.
Além da grande variedade de espécies, os besouros são responsáveis por importantes serviços ambientais. Eles são dispersores secundários de sementes, espalhando as sementes que já haviam sido primariamente dispersadas através das fezes de outros animais maiores. Dessa forma, os rola-bostas colaboram para o processo de regeneração da floresta. Além disso, promovem a reciclagem da matéria orgânica, adubando o solo ao enterrar as fezes, e realizam a bioturbação, agindo como tratores, revolvendo a terra de baixo para cima.
Em 2010, os pesquisadores definiram os locais para a coleta dos besouros, áreas representando variações de degradação da floresta. “A ideia era estudar mudanças nas respostas da biodiversidade em diferentes florestas e ao longo do tempo, levando em conta como o sistema muda em função de mudanças do uso da terra, como a extração madeireira”, cita Fadini.
O líder da pesquisa, Dr. Filipe França, monitorando um dos experimentos sobre os efeitos do El Niñonos besouros rola-bostas na Flona do Tapajós. Foto: Rodrigo Fadini.
Os besouros coletados em 2010 foram enviados para identificação nas universidades federais de Lavras (UFLA) e do Mato Grosso (UFMT). A amostra de besouros coletada em cada local foi avaliada segundo os critérios de riqueza de espécies, que avaliam a variedade de espécies presentes no local, e de abundância, ou seja, o número de besouros de cada espécie.
Além disso, o grupo mediu as funções que os besouros desempenharam, como a dispersão de sementes e o enterro de fezes. “Colocamos uma quantidade conhecida de fezes para atração dos besouros. Depois medimos a quantidade restante para saber o que foi removido por eles. Nós também misturamos um número conhecido de bolinhas coloridas junto às fezes, simulando sementes que estariam naturalmente presentes. Um tempo depois voltamos para recolher as fezes e contar quantas bolinhas restavam. Assim pudemos avaliar o serviço de dispersão de sementes e nutirientes prestado por aqueles besouros”, detalha o biólogo.
Em 2015-2016, a Amazônia sentiu os efeitos de um fenômeno El Niño bastante intenso e parte das áreas estudadas em Santarém pegou fogo. “Em anos de El Niño a floresta fica mais seca, facilitando a propagação do fogo que é causado pela ação humana”, aponta Fadini. Por conta dessa ocorrência, os pesquisadores passaram também a estudar o fogo. “Pudemos avaliar, ao longo do tempo, os efeitos nas áreas que queimaram e nas áreas que não queimaram”, destaca.
Os pesquisadores voltaram nas áreas selecionadas em 2010 e fizeram mais duas amostragens, uma cerca de 3 a 6 meses após a passagem do fogo, em 2016, e outra no período de 15 a 18 meses depois das queimadas, em 2017. Houve uma redução drástica em todos os indicadores entre os anos de 2010 e 2017: a quantidade de espécies caiu de 75 para 68; a abundância foi de 8.070 para 2.648; o serviço de dispersão de sementes, com registro inicial de 75,1%, foi reduzido para 59,2%; e o enterro de fezes, que no começo era de 74,1%, foi para 32,1%. Esses resultados foram recentemente divulgados em um artigo científico publicado na revista científica Biotropica.
“O El Niño teve um efeito severo sobre os besouros, mas ele foi ainda mais grave nas áreas que foram manejadas e queimadas. O fogo intensificou o processo de perda de biodiversidade e dos processos ecossistêmicos. A exploração florestal madeireira e as queimadas, quando atuam em conjunto, maximizam os efeitos das mudanças na biodiversidade”, enfatiza o docente.
O pesquisador ressalta ainda a importância dos Projetos Ecológicos de Longa Duração (PELD), que permitem uma análise dos efeitos das mudanças da paisagem e das mudanças climáticas sobre a biodiversidade ao longo do tempo. “Um dos papéis da ciência ecológica é tentar prever as consequências das mudanças climáticas globais sobre a biodiversidade e os processos ecológicos associados. Como cientistas, tentamos enxergar as mudanças através dos olhos dos organismos que estudamos, muitas vezes imperceptíveis em curto prazo. Esses dados coletados pelo PELD-RAS devem ajudar a construir políticas públicas que conciliem desenvolvimento econômico com sustentabilidade. Dessa forma, a sociedade, como um todo, sai ganhando”, conclui.
Sobre a Rede Amazônia Sustentável – A RAS é composta por pesquisadores de mais de 30 instituições do Brasil e do exterior; é uma iniciativa criada com o objetivo de produzir e aplicar evidências científicas como caminho para fortalecer a sustentabilidade na região Amazônica. No estudo sobre os besouros rola-bostas, participaram a Embrapa da Amazônia Oriental, Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de Canterbury, da Nova Zelândia, e Universidade de Lancaster e Universidade de Oxford, ambas da Inglaterra.
Confira aqui a íntegra do artigo científico publicado com os resultados do estudo.
Renata Dantas – Comunicação/Ufopa
“Coprophanaeus lancifer”, uma das mais bonitas espécies de besouros rola-bostas encontradas na Amazônia. Foto: Hannah Griffiths.