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Criado em 28 de Outubro de 2021 às 13:34

Sebastião Tapajós: uma trilha sonora para a eternidade

24/10/2021 - Amazonia Real - Ufopa citada

28 de Outubro de 2021 às 13:34

Sebastião Tapajós: uma trilha sonora para a eternidade
Amazonia Real
Por Elvira Eliza França
Publicado em: 24/10/2021 às 22:21
Sebastião Tapajós: uma trilha sonora para a eternidade

Era dia dois de outubro, quando um dos maiores violonistas do Brasil, reconhecido internacionalmente, estava saindo de um hospital em Belém, no Pará, após ter recebido alta hospitalar de uma cirurgia. Na saída começou a passar mal e foi para o atendimento de emergência: estava sofrendo um infarto cardíaco. O coração de Sebastião Pena Marcião, 79 anos, mais conhecido como Sebastião Tapajós, não resistiu. Depois de tantos anos trabalhando incansavelmente para dar vida a um músico virtuoso no violão, o coração musical desligou e ficou silencioso.       

O compositor e cantor amazônico Pedro César Ribeiro, 69 anos, conhecido como Pedrinho Ribeiro, tinha amizade com Sebastião Tapajós desde 1974, e expressou o que sentiu com a notícia: “Eu chorei como se tivesse perdido um irmão.” O primeiro encontro com Pedrinho e o violonista foi durante uma apresentação num evento da Universidade Federal do Pará, em Belém. “Eu já tinha ganhado um festival de bandas. Em 1974 eu sabia tocar um pouco de violão e num evento da universidade, eu ia tocar depois do Sebastião Tapajós. Lógico que eu fiquei preocupado, porque eu não sabia tocar bem violão. Aí, ele chegou perto de mim e disse: ‘Faça o que tem que fazer que eles vão te aplaudir’, colocando a mão no meu ombro. Deu toda a força para mim e ele ficou ao meu lado no palco. Aí, eu ganhei um irmão. Nós não nos perdemos mais. Quando eu lancei o CD ‘Igarapé dos Currais’, ele veio a Manaus para se apresentar comigo, em 2017. Também fizemos um show juntos no campus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Ele é tido como um dos maiores violonistas do mundo. É dotado de uma humildade incrível”.


Sebastião Tapajós durante um encontro com Pedro César Ribeiro
(Foto: Reprodução do Facebook)

A partida precoce do músico e compositor paraense, cuja música unia o erudito com o popular e o folclórico, havia criado muitas composições com temas amazônicos. Então, com seu falecimento, ele deixou a pauta do mundo para tocar a sua música no universo. Sebastião estava se preparando para comemorar 80 anos de vida, em 2022. Nascido em Alenquer, no Pará, em 16 de abril de 1944, era alguém que havia nascido com a música e desde a infância gostava de ouvir músicas no rádio e nos discos, tocadas por violonistas brasileiros famosos, como João Pernambuco e Dilermando Reis.

Segundo a fotógrafa Vanessa Barros, que organizou uma exposição virtual sobre os 60 anos de vida artística de Sebastião Tapajós, ele teve “uma trajetória fascinante, que começa aos seis anos de idade. Aos dez, ele ganhou o primeiro cachê e, aos doze, passou a trabalhar como violonista, na banda santarena ‘Os Mocorongos’. Aos 16 anos, veio para Belém, onde teve aulas particulares de Teoria Musical, até ir para o Rio de Janeiro fazer um curso intensivo de Técnica Violonística”.

Muito talentoso, o jovem Sebastião não encontrou no Brasil um curso para sua formação em violão clássico. Então, em 1960 viajou para a Europa para estudar em Portugal, no Conservatório Nacional de Lisboa. Lá obteve o diploma em 1964 e depois complementou os estudos de guitarra no Conservatório de Cultura Hispânica, na Espanha, onde também deu recitais. Ainda viajou para a Alemanha para dar recitais e, no decorrer de sua carreira profissional como músico, voltou muitas outras vezes a esse país para outros recitais e lançamento de 50 discos.

Em 1967, com 23 anos, Sebastião Tapajós retornou ao Brasil, e assumiu a cadeira de violão clássico no Conservatório Carlos Gomes, em Belém. Nesse ano, também fez a primeira gravação do disco “Violão Tapajós”, obra que deu início a muitas outras gravações de discos no decorrer de sua vida, totalizando 53. Na integração da música erudita com a popular e folclórica, destacou-se com as composições próprias com temas amazônicos.


Sebastião Tapajós (Foto: Agência Santarém)

De acordo com Aline Leal, no site da Agência Brasil, “ao longo da carreira, Sebastião Tapajós reinterpretou melodias e canções de grandes nomes brasileros como Villa-Lobos, Radamés Gnattali, Guerra-Peixe, Cartola, Ary Barroso e Pixinguinha, além de pesquisar os ritmos da Amazônia e gravar discos em parceria com Hermeto Pascoal, Baden Powell, Sivuca, Gerry Mulligan, Oscar Peterson, Paquito D’Rivera e Astor Piazzolla. Consagrado internacionalmente, Tapajós costumava fazer turnês por diversos países. Foi gravado por artistas como Emílio Santiago, Miltinho, Pery Ribeiro, Jane Duboc, Maria Creuza, Fafá de Belém, Nilson Chaves e Ana Lengruber”. Na década de 70 fez turnês pela Europa com Paulinho da Viola e Maria Betânia. Gravou discos com temas regionais do Pará e da América Latina. 

Em 1992, aos 48 anos, Sebastião Tapajós foi reconhecido e premiado como o melhor músico brasileiro, pela Academia Brasileira de Letras. Participava de muitos shows com compositores nacionais e fazia turnês internacionais na Europa. Em 1998, produziu a trilha sonora para o filme “Lendas Amazônicas”, da Cinemateca Paraense, que tem quatro episódios: Boto, Matinta Perê, A Cobra Grande e Mistérios. O filme, dirigido por Moisés Magalhães e Ronaldo Passarinho Filho, foi apresentado na II Mostra Pan-Americana de Cinema e indicado para o New York Film Festival.

Em 2013, Sebastião Tapajós recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do Pará (UEPA), e também pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Em 2017, na cidade de Santarém, os amigos fundaram o Instituto Sebastião Tapajós, em sua homenagem, pelo reconhecimento ao legado musical e cultural regional da música que ele compunha e executava, além de fazer a defesa do meio ambiente. Foi nesse ano que ele gravou seu último CD “Violões do Pará”, em parceria com Salomão Habib, e no ano seguinte passou a receber uma pensão vitalícia da prefeitura de Santarém.


Durante a cerimônia do título de Doutor Honoris Causa na Ufopa (Foto: Giulio Volante/Ufopa)

O ator, compositor e jornalista amazonense Davi Almeida, 68 anos, convivia de perto com Sebastião Tapajós, nas vezes em que ele vinha a Manaus, e conta que o conheceu numa reunião de sábado, na casa do poeta amazonense Aníbal Bessa: a Sanibal. Ali, as pessoas falavam sobre artes e composições e Sebastião era conhecido por Babá, Tião, ou General Epifânio. Esse último apelido se devia a uma manobra que o músico utilizava para ter caminho aberto para falar com alguma autoridade.    

“Ele tinha um nome muito interessante que só nós que o chamávamos: General Epifânio, porque um dia ele precisava falar com alguém da alta patente do Exército, uma pessoa muito importante. Quando ele chegou na porta, ele se apresentou como General Epifânio e o deixaram entrar imediatamente. […] Ele ria muito, contava histórias, piadas de salão”, relembra Davi.

A execução musical de Sebastião encantava as pessoas e Davi conta que, num dos encontros, estava presente o poeta amazonense Thiago de Mello, que pediu que Sebastião o acompanhasse numa música que havia feito com Pixinguinha. “Aí, o Sabá (Sebastião) pediu para ele cantar e ele fez um arranjo no violão. Quando o Thiago começou a cantar, com o Sebastião tocando no violão, se emocionou muito… respirou, pediu desculpas, voltou ao normal e voltaram a cantar uma música linda”.

Numa das vezes em que Davi combinou levar Sebastião ao aeroporto, ainda estava sentindo os efeitos de uma ressaca na manhã de sábado, quando chegou ao hotel Tropical, onde o violinista estava hospedado. Sebastião lhe disse: “‘Deita aí na cama’. Eu deitei e ele tocou violão para mim: ficou solando uma música. Aí, eu me recuperei, levantei e fui deixá-lo no aeroporto. […] Teve outros momentos dele vir na minha casa de surpresa, e chegou junto com o Cocó Rodrigues, que canta nos bares de Manaus, e com o Pedrinho Ribeiro. Eu fiquei muito alegre e fui comprar um peixe assado e trouxe um tambaqui, que ele adorava comer a cabeça e comia com as mãos”.   

A amizade não se restringia somente quando Sebastião estava em Manaus, porque às vezes também fazia contato telefônico. “Uma vez, ele me ligou de Mar del Plata. Ele era um ídolo, tinha voltado para o hotel depois de um show, com muitos aplausos e autógrafos, mas estava se sentindo sozinho no hotel. Se lembrou de mim, ligou e conversamos”, relembra Davi. 


Sebastião com o músico Gonzaga Blantez (Foto: Divulgação)

Pedrinho Ribeiro, que foi o mestre de cerimônias na inauguração do Instituto Sebastião Tapajós (IST) em Santarém, criado para homenagear o legado cultural e musical de Sebastião, disse que o músico e compositor se empenhava muito em ajudar outras pessoas a se desenvolver na habilidade violonística e a sentir amor pela Amazônia. “Uma vez, fui interpretar uma música que ele tinha feito um arranjo de uma suíte, que começava como uma valsa e virava uma bossa nova, numa música só. Eu fiquei uma semana na fazenda dele ensaiando, ensaiando. Na hora da apresentação, foi o aluno número um dele que foi me acompanhar no que ele escreveu, mas ele não saía de perto. Foi maravilhoso trabalhar com ele! Era um aprendizado mesmo, por causa da humildade dele. Ele era um ser humano humilde, desprovido de egolatria. Era um artista completo, não era um meio artista”.   

A consultora independente de movimentos sociais Muriel Saragoussi, 62 anos, ex-pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Fiocruz Amazônia, e ex-secretária de coordenação de políticas para a Amazônia do Ministério do Meio Ambiente (2004-2007), também teve vários encontros com Sebastião. Ele sempre participava de eventos relacionados com o meio ambiente em Belém, Santarém e Brasília. Eles se conheceram num evento do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), quando Muriel estava atuando no Ministério.

“Quando eu estava no Ministério, na secretaria, nós o convidamos para tocar na entrega do prêmio Chico Mendes. Aí, tivemos a oportunidade de conversar e se conhecer. Eu estive muitas vezes em Santarém, no processo de discussão do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável da BR-163, que foi escrito de forma participativa, envolvendo todos os atores sociais da região, tanto dos movimentos sociais quanto dos governos. Eu ia muito a Santarém por causa disso, e a gente sempre acabava se encontrando”.

Como Muriel gostava muito de ouvir o violonista, sempre que ele estava em Santarém, ela dava um jeito de ir aos shows dele após as reuniões. Ela recorda: “Eu lembro que uma vez estava havendo um show num teatro, numa pracinha do centro. Saí da última reunião, entrei no teatro e fiquei sabendo que tinha um lugar reservado para mim na frente. Mas tinha muita gente sentada no chão, e eu também me sentei. Então, ele falou lá na frente: ‘Cadê a Muriel? Vem aqui na frente, que você vai sentar bem aqui na primeira fileira!’”.

O gesto gentil e carinhoso do violonista é lembrado em vários momentos por Muriel. “Quando ele veio tocar na entrega do prêmio Chico Mendes, era o meu aniversário, e as meninas da secretaria contaram para ele. Ele terminou o show cantando parabéns para mim. Foi a coisa mais chique da minha vida, ter o parabéns cantado pelo Sebastião Tapajós. […] Ele era uma pessoa que tinha estatura para tocar em qualquer casa de espetáculo do mundo, mas tinha esses pequenos gestos de carinho com as pessoas. Sempre se manteve muito amazônico.


Durante apresentação no Theatro da Paz em Belém (Foto Divulgação)

Relembrando o amor que ele sentia pela Amazônia, Muriel diz que “a casa dele em Alter do Chão era a raíz dele. Saía, gravava, fazia coisas pelo mundo e voltava para lá. Era um cara que tinha um profundo respeito pelo conhecimento tradicional amazônico, pela gente amazônica e isso nos aproximava. Quando ele começava a tocar, simplesmente enchia nosso coração de alegria. Ele me deu de presente todos os discos dele, todos os CDs dele. É um presente especial”.

Em 2017, os amigos de Santarém, em homenagem a esse mestre exímio do violão, com o apoio da Universidade Federal do Oeste do Paraná (UFOPA), criaram o Instituto Sebastião Tapajós (IST). Esse instituto, de interesse público, está voltado à promoção do ensino da música e à divulgação da obra de Sebastião Tapajós. Realiza projetos de educação ambiental, voltados à preservação da floresta Amazônica, num processo integrado de cultura e meio ambiente. O IST também visa implantar novas tecnologias para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. As doações recebidas são aplicadas na realização dos projetos sociais e quem apoia o instituto tem acesso a um livro no site do IST, com a história de Sebastião Tapajós, contendo 105 partituras de sua autoria.   

O IST também tem uma exposição virtual, organizada pela fotógrafa Vanessa Barros, com a produção de Carmen Ribas. Na exposição, é possível ver fotos dos 60 anos de vida profissional de Sebastião Tapajós, com capas de disco dele sozinho ou com outros músicos, e também reportagens. Ainda é possível ouvi-lo falando em vídeo, lembrando-se dos lugares onde viveu, contando sobre suas experiências e tocando suas músicas. Num deles, Sebastião fala sobre a importância do calor humano que sentia nas plateias e dizia: “Se Deus te dá, você passa para o próximo. […] Tenho o maior respeito pela arte, o maior carinho e vou morrer fazendo arte. […] “Nasci músico e vou morrer músico.”

O site O Liberal.com também tem uma coleção de gravações de Sebastião, que encantam os ouvidos de quem quiser conhecer esse grande violonista brasileiro. Por isso, onde quer que esteja agora, permanece vivo, com seu jeito de ser e com sua música no coração e na cultura amazônica e brasileira. Sebastião Tapajós nasceu no Pará, e da Amazônia conquistou o Brasil e seguiu para o mundo. Os amigos que o consideram tão vivo quanto antes, mantêm o coração dele batendo e planejando a realização do “Sarau Tapajós”, para o mês de abril, para comemorar seus 80 anos. Enquanto isso, é como Davi disse: “Sebastião sempre dizia, pessoalmente ou pelo telefone, quando se despedia de alguém: Fica com Deus.”


Sebastião Tapajós (Foto Divulgação)


A imagem que abre este artigo é de autoria de Vanessa Barros

Fontes de consulta:

BARROS, Vanessa. Um tour virtual sobre a história de Sebastião Tapajós. Disponível no site Holofote Virtual <http://holofotevirtual.blogspot.com/2021/07/um-tour-virtual-pela-historia-de.html>. Acesso em: 14 de outubro de 2021. 
LEAL. Aline. Morre no Pará o violonista Sebastião Tapajós. Agência Brasil. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-10/morre-no-para-o-violonista-sebastiao-tapajos> Acesso em: 14/10/2021.
Instituto Sebastião Tapajós. Disponível em: <https://www.portal.iteleport.com.br/tour3d/exposicao-virtual-sebastiao-tapajos/> Acesso em 14/10/2021.
Passagem do Som – Instrumental Sesc Brasil. Disponível em:  <https://www.youtube.com/watch?v=e8l9_JCq5Wg>. Acesso em: 14/10/2021.
 SESC. Show no Programa Instrumental Sesc Brasil. Disponível em:  <https://www.youtube.com/watch?v=E9cvQB5BQ9E>. Acesso em 14/10/2021.
 O Liberal.com: Gravações de Sebastião Tapajós. Disponível em:  <https://www.oliberal.com/cultura/conheca-a-obra-marcante-de-sebastiao-tapajos-que-abracou-o-mundo-com-mais-de-60-albuns-1.441687>. Acesso em: 14/10/2021.
Cinemateca Paraense: II Mostra Pan-Americana de Cinema. Disponível em: <https://cinematecaparaense.org/filmes/series/lendas-amazonicas/>.  Acesso em: 14/10/2021.  

 

link: https://amazoniareal.com.br/sebastiao-tapajos-uma-trilha-sonora-para-a-eternidade/