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Criado em 28 de Fevereiro de 2023 às 13:53

70 anos de Ministério da Saúde: caminhos, avanços e desafios na saúde brasileira

24/02/2023 - TAPAJÓS DE FATO - Ufopa citada

28 de Fevereiro de 2023 às 13:53

70 anos de Ministério da Saúde: caminhos, avanços e desafios na saúde brasileira

O Ministério da Saúde é uma instituição extremamente importante para a garantia da saúde. É a partir dele que partem as políticas de saúde e recursos para financiar as ações e serviços que atendem a população beneficiada pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.

Foto reprodução da internet
Em 1953, o governo brasileiro criou  um ministério para tratar somente das questões ligadas à saúde . Até então, o tema da saúde era dividido com a pasta da Educação. Para a criação do Ministério da Saúde, um médico teve grande protagonismo, que foi Miguel Couto Filho. 

Desde sua criação, há 70 anos, até os dias atuais, o Ministério da Saúde tem sido importante para a garantia da vida dos brasileiros e brasileiras. Internamente dilemas e ideologias negacionistas prejudicaram o Ministério em um momento crucial de defesa da vida, marcado pelo período da pandemia do coronavírus.

 Enquanto a comunidade científica fazia uma corrida contra o tempo para criação de vacinas para proteger a humanidade, e lançava as recomendações de cuidados sanitários para conter a contaminação, uma onda generalizada de notícias falsas e descumprimento de medidas sanitárias também era praticada, ceifando a vida de muitas pessoas que seguiam as falas maldosas e mentirosas sobre a gravidade do vírus, principalmente feitas por lideranças políticas, como o presidente da República, Jair Bolsonaro. 

Em seu discurso de posse, a atual ministra da saúde, Nísia Trindade, disse o seguinte:  “a orientação é recuperar o protagonismo do Brasil no espaço da saúde global e regional, valendo-se dos princípios da construção de soluções comuns, da solidariedade internacional e da equidade na saúde”.

Ministério da Saúde, uma construção histórica

O professor e pesquisador do curso de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará (ISCO/UFOPA), Rui Harayama, fala da importância do Ministério da Saúde para a garantia da vida no Brasil. 

Foto: Acervo Pessoal.

Rui fala que o ministério e o Sistema Único de Saúde são uma construção histórica, e mesmo que se fale muito das reformas sanitárias da década de 80, “o modelo também reflete uma iniciativa internacional de garantia da saúde como direito humano… é importante lembrar que toda pessoa que defende saúde, defende direitos humanos”.

Ao falar de um sistema de saúde, mas não apenas como um sistema que defende a vida a partir da óptica de ideias radicalistas, o professor destaca que, "a gente está falando da vida enquanto plenitude do gozo das funções tanto sociais, culturais e biológicas. Então a gente está falando de uma de uma vida digna pras pessoas em todos os cenários, em todas as situações, em todas as condições”. 

Nesse contexto,  populações quilombolas, indígenas, ribeirinhas, pessoas privadas de liberdade [presidiários], comunidade LGBTQIA+, pessoas com deficiências, pessoas idosas, crianças, jovens, mulheres, precisam ter suas vidas garantidas. Rui explica ainda que não é apenas a garantia como a "sobrevivência,  mas uma vida plena, e isso o Ministério da Saúde é tanto garantidor como condutor dessas práticas, que vão refletir em todas as áreas da vida”.  

Divisão e organicidade

Harayama aponta outro marco na saúde, já no século XXI, que  é o avanço da tecnologia, e dentro do Sistema Único de Saúde foi possível consolidar o formato tripartite de participação e de pactuação das demandas. Então, a tripartite seria tanto do governo federal, estadual e quanto dos municípios são os três entes federativos que acabam atendendo e acolhendo as demandas de saúde da população em todos os estados e municípios. É a partir desta divisão que são pensados as  execuções de serviços, que vão desde atendimentos básicos, vacinação à realização de cirurgias eletivas e procedimentos de média e alta complexidade.

A partir da divisão entre governo federal, governos estaduais e municipais, são criadas comissões, por exemplo. Comissões Intergestoras Tripartites, é a partir dela, que o mestre em saúde coletiva considera que se tem uma melhor organização. “Antes disso os serviços eram realizados meio como se fosse por conveniência ou por viabilidade, você não tinha muito definido o que que era o papel dos municípios, do governo estadual e federal”.

Para entender melhor a organização dos atendimentos à saúde, pode ser utilizado a região do Baixo Amazonas, nos municípios são feitos atendimentos básicos e de baixa e média complexidade. Já o tratamento de alta complexidade, além daqueles que precisam de acompanhamento especializado, são realizados na cidade de Santarém, no Hospital Regional do Baixo Amazonas. 

Saúde para além de corpos biológicos

Foi a partir da melhor organização da atuação do Ministério da Saúde, com a criação das linhas de cuidado, que outras pautas que também estão ligadas à saúde passaram a  ter visibilidade. 

Rui Harayama explica que são “linhas de atenção à saúde integral de populações específicas, ela não está simplesmente dando espaço a um tipo de identitarismo como alguns críticos falam”, pois se entende que as pessoas não são simplesmente corpo biológico, mas elas têm tanto uma história como a situação social, elas são pessoas que se relacionam.

As ações do Ministério da Saúde, como explica Rui, “criam programas nacionais de atenção integral à saúde da população idosa, da população LGBT, da população trans, da população negra, do homem, saúde integral à população da mulher, né também tiveram importantes embates, implementações relativas à discussão da gravidez como um processo integral desde a concepção do pré-natal até o pós-parto puerpério, amamentação exclusiva”. Não é apenas realizar exames, mas toda uma série de instrumentos de acompanhamento e desenvolvimento, a caderneta de saúde da criança, reflete essas linhas de cuidado, pois é a maneira que o governo monitora o desenvolvimento das crianças, pois, nela são colocadas todas as informações sobre a criança, inclusive a hora do nascimento.  

A atenção à saúde da população LGBT também está nessas linhas de cuidados criado pelo Ministério da Saúde, o que para Rui Harayama, “é um grande avanço… A gente vê a discussão da saúde integral da população trans que tem desde a discussão do respeito ao nome social na unidade básica de saúde até o acompanhamento das terapias de hormonização, a gente começa a entender como que funciona essa atenção integral”. Esse cuidado passa por todas as instâncias, seja o posto de saúde, as clínicas, os hospitais; até mesmo atender os pacientes pelo nome social.

Foto: Reprodução internet

Fatores étnicos, culturais e geográficos precisam ser  considerados 

As dimensões continentais do Brasil exigem que o Ministério atue considerando as diversidades étnicas e as questões geográficas. Os povos indígenas, em grande parte vivem em locais remotos, sem energia elétrica, e o acesso se faz por meio de embarcações  ou  somente caminhando por meio das matas, isso exige um cuidado, principalmente em vacinação, para que as doses cheguem até as pessoas e que sejam adotados todos os cuidados necessários para garantir a eficácia das vacinas. E para funcionar, precisa-se de um planejamento prévio.

Conforme explica Harayama, “a gente está falando de um planejamento de saúde que o Ministério da Saúde não pode tratar todos os brasileiros como iguais. A gente é igual do ponto de vista dos desejos do cidadão. Então assim, todo cidadão é igual porque todos eles têm o direito de fazer o que a lei não proíbe, mas do ponto de vista do Ministério da Saúde e do nosso planejamento, a gente precisa observar as diferenças. Não posso tratar uma pessoa que mora numa comunidade cuja acesso só é por rio da forma que eu conheço alguém de uma cidade que tem acesso por metrô”. 

Desafios do Ministério da Saúde 

A negação e o ataque à ciência no Brasil foram intensos durante a pandemia. Instituições brasileiras de pesquisas, reconhecidas internacionalmente por todas as contribuições científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan, foram apenas algumas das que sofreram com os discursos negacionistas que se alastraram em todas as esferas sociais, inclusive, nas esferas governamental e política 

Após o pior período pandêmico, o Brasil vive um processo de reconstrução do comprometimento com a saúde. Com suas participações em fóruns e demais debates sobre saúde pública, o professor explica o grande desafio do problema, “que é esse da manutenção  do Ministério da Saúde, com o símbolo do SUS, e uma  efetividade em relação aos seus processos”.

As atualizações nas atividades do Ministério da Saúde precisam ocorrer, segundo Rui Harayama, nas três esferas: "O novo Ministério vai encontrar a necessidade de repactuar e  alinhar ações das três esferas de governo. Porque a gente passou por um governo muito pouco orientado pela saúde pública nos seus últimos anos”. Além disso, não dá para simplesmente virar as costas para tudo que foi passado na pandemia, e nesse aspecto, Rui conta que competências tradicionais  pactuadas como municipal, estadual, federal, acabaram se confundindo, principalmente por conta de judicialização que ocorreu e por conta das emergências de saúde pública que tiveram. “Então a gente vai precisar repactuar quais são as frentes de cada ente federativo  e criar planos”.

Outro tema, o qual o professor de Saúde Coletiva considera “sensível” é a repactuação de funções. “A gente não pode esquecer que é uma demanda antiga da saúde pública, que a gente vai precisar começar a rediscutir funções e competências dentro de sistemas públicos de saúde”. 

Harayama considera que o sistema de saúde ainda é “muito medicocêntrico", tudo  gira em torno do profissional da medicina. “E a gente já tem por experiência, por discussão e mesmo por práticas e por ausência de profissionais, que já mostram que você não precisa, assim, tanto do profissional médico para algumas questões”, explica.

Nas Unidades Básicas de Saúde, obviamente é necessário haver o atendimento presencial de um médico, mas  a abordagem de Rui é no sentido de haver fluxograma dentro dos protocolos de saúde. “O médico, ele não precisa sempre ser o que determina certos procedimentos, a gente pode pensar em protocolos que a gente chama de protocolos de saúde”, explica. 

Voltar ao diálogo com a população

Segundo o professor, o governo precisa restabelecer o elo com os movimentos e com a sociedade de forma geral. Rui considera que nos últimos 5 anos o que se viveu foi um processo de desarticulação oficial ou de total rompimento das relações entre os movimentos e população, com a política pública, com a máquina pública. 

Dessa maneira o que o governo pode e deve fazer, através do Ministério da Saúde, são as reaproximações com os movimentos sociais, populações que ficaram cinco anos silenciadas. “Às vezes também tem ruídos, né? Então a gente vai precisar repensar como que vai fazer as pactuações entre os movimentos sociais, com a ajuda do Conselho Nacional de Saúde que foi uma das poucas instituições de participação de movimentos sociais que continuaram firmes, durante o governo, principalmente do Bolsonaro, mas também desde a época do Temer”, comentou.

Harayama explica que a participação da sociedade possibilita  a criação de políticas públicas que atendam as demandas dessas populações das pontas.

16ª Conferência de Saúde do município de Santarém, em janeiro de 2023. Foto: Tapajós de Fato.

Prioridades de ações para a Amazônia

Um dos primeiros pontos apontados por Rui Harayama  é desconstruir o senso comum de que "saúde não é uma questão só de estar doente ou não… Que saúde também não é uma questão somente relacionada as pessoas”.

O debate precisa ser feito tanto na discussão “do mercúrio nas águas como a questão da covid-19, que mostrou que existe aí um equilíbrio muito tênue entre meio físico e meio social, é isso que a gente vai precisar começar a pensar pra começar a sugerir junto com as populações como ações sistemáticas de mitigar impactos e mudar certas práticas”. O contexto de mudanças climáticas é mais uma pauta que também deve entrar nas discussões sobre saúde pública, visto que muitas doenças têm se intensificado ou surgidas, com as transformações que ocorrem no clima e afetam  o planeta.

Saneamento básico na Amazônia

Ainda no contexto de desafios para melhorar a saúde das populações amazônidas, é preciso voltar os olhos para a questão do saneamento básico. Entendendo que este é um ponto crucial para o bem estar coletivo, Rui Harayama fala  que “o Pará tem um dos piores indicadores de saneamento do Brasil, enfim a gente precisa pensar na discussão do saneamento, ele é grave e atinge sobretudo as populações aquelas que são deixadas à própria sorte”. 

Levando para o campo comparativo, segundo o professor, se uma pessoa não tem água de qualidade, ela acaba tendo processos e casos de constante, e não vai conseguir ter o mesmo desenvolvimento de uma pessoa que faz três refeições por dia, porque é parte daqueles nutrientes que acabam sendo perdidos pela má qualidade da água. “Essa questão do saneamento na região do Pará é extremamente importante”, explica o professor.

As periferias são os locais menos assistidos  pelo serviço de saneamento básico. Imagem da periferia de Belém. Foto: Reprodução/Internet.

Efetivar políticas de assistência específica

 

Cuidar da saúde de populações do campo, da várzea, populações quilombolas, tem que voltar a ser um compromisso do Ministério da Saúde, pois esses grupos nunca tiveram uma ação específica. São medidas de várias abrangências, mas necessitam também de processos mais simples, que passam por gestão e operacionalização, como pensar “o quanto que gasta de gasolina para o Agente Comunitário de Saúde fazer uma visita, e em relação ao agente comunitário de saúde urbano a gente tem aí problemas não somente operacionais mas também de gestão, tudo isso acaba gerando especificidade no nosso contexto aqui amazônico”, explica o professor.

No município de Santarém, a vacinação na região de várzea foi feita até dentro de embarcações para agilizar o processo de imunização da população. Foto: Reprodução da internet.

Promover políticas específicas exige um esforço na esfera local ainda maior, desta forma, é necessário fortalecer os órgãos formadores de recursos humanos, como explica Rui Harayama, agindo de forma articulada, envolvendo instituições públicas e privadas.

Uma mulher assumindo a pasta pela primeira vez  

Desde a sua criação até o final de 2022, o Ministério foi comandado apenas por homens. Com a mudança de governo, Nísia Trindade foi indicada para coordenar o ministério.

Nísia Trindade Lima é uma grande referência da representatividade feminina na ciência, ela acumula feitos históricos.  A ministra também foi a primeira mulher a presidir a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição histórica de ciência e tecnologia e referência internacional, entre 2017 e 2022.

Nísia é doutora em Sociologia, fez mestrado em Ciência Política (1989), pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj – atual Iesp) e é graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, 1980). Um dos destaques de Nísia é na área de pensamento social brasileiro, história das ciências e saúde pública.

Foto: Julia Prado / Ministério da Saúde


O Ministério da Saúde e o Sistema Único de Saúde são grandes conquistas do povo brasileiro, precisam ser defendidos, sem espaço para questionamentos de privatização do sistema da saúde brasileiro. 

Os avanços alcançado nesses 70 anos de ministério precisam ser o exemplo e a fortaleza para que sejam aplicadas, melhoradas e que possibilitem a chegada de mais ações em prol do atendimento à saúde, não apenas para remediação, mas sim de prevenção, de cuidado, respeitando todas as diversidades do campo social, as reações culturais, adequando-se às características geográficas. E utilizando esses fatores como direcionadores e não como empecilho para a atuação.

*Esta produção tem apoio da OPAS e da Fiocruz, por meio de sua unidade em Brasília, do Canal Saúde e da Coordenação de Cooperação Social, com financiamento do Governo do Canadá

 

Link: https://www.tapajosdefato.com.br/noticia/1067/70-anos-de-ministerio-da-saude-caminhos-avancos-e-desafios-na-saude-brasileira