Criado em 3 de Julho de 2023 às 15:19
21/06/2023 - G1 - Globo - Positiva
3 de Julho de 2023 às 15:19
Égua do linguajar: expressões usadas por santarenos são quase uma assinatura; bora espiar
O modo de falar do santareno é objeto de pesquisas da Ufopa por meio do Grupo de Estudos Linguísticos do Oeste do Pará (Gelopa).
Por Sílvia Vieira, g1 Santarém e Região — PA
21/06/2023 14h10 Atualizado há uma semana
Estudo realizado por pesquisadores do Gelopa aponta "Olha já" como expressão mais usada pelos santarenos — Foto: Arte g1
Estudo realizado por pesquisadores do Gelopa aponta "Olha já" como expressão mais usada pelos santarenos — Foto: Arte g1
Na semana em que Santarém, no oeste do Pará, completa 362 anos, o g1 destaca o linguajar que caracteriza o santareno, e que em muitos casos acaba sendo adotado também por quem mora na Pérola do Tapajós. Algumas expressões até são usadas em outros municípios paraenses, mas o modo como o santareno fala é diferenciado, com entonação e significados que são uma espécie de assinatura. Égua, tu não vais ficar à ufa, né? Vem conhecer as formas de uso.
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O modo de falar do santareno é objeto de pesquisas da Universidade Federal do Oeste do Pará por meio do Gelopa (Grupo de Estudos Linguísticos do Oeste do Pará) que já existe há 15 anos. As pesquisas são contínuas e partem da observação da comunidade, das pessoas que estão ao redor.
“Em Santarém a gente usa muito o ‘Olha já’. E quem é de Belém diz assim: ‘Eu não conheço essa expressão’. Então essa é uma expressão que caracteriza muito o falante de Santarém. Aí, a gente faz a pesquisa de porquê o santareno usa o ‘olha já’. Usa por uma necessidade de expressar por meio dessa construção algo que não consegue dizer por outras formas da língua. Às vezes até tem um equivalente, mas esse ‘olha já’ diz algo a mais”, explicou a coordenadora do Gelopa, professora Ediene Pena.
Na pesquisa sobre a forma e o contexto de uso do ‘olha já’ na fala dos santarenos, o Gelopa observou que o santareno usa a expressão quando ele quer negar um fato. Por exemplo, se alguém diz: Tu estivestes ontem aqui! O santareno responde: 'Olha já, ontem eu estava em tal lugar'. Ou seja, ele usa o ‘olha já’ para negar algo. (veja o vídeo abaixo)
Professora fala sobre o linguaja dos Santarenos
Professora fala sobre o linguaja dos Santarenos
A expressão também pode significar um espanto. Se alguém diz: ‘Fulano ganhou na loteria’. O santareno responde: ‘Olhá já!’.
Pode ser usada também em caso de dúvida e descrença. Quando alguém diz, por exemplo: ‘Eu vou viajar amanhã pra Paris’. O santareno responde: ‘Olha já...’.
“Depende da forma como falante usa a construção e do contexto que ele usa. Então, se eu fosse fazer observação de uma expressão que é muito nossa, do santareno, seria o 'Olha já'. Tem ainda o ‘Mas quando’, tem o ‘Mas credo’, tem o ‘Quando já’. O já é muito interessante, e inclusive já fizemos pesquisa porque ele é muito utilizado no final de algumas expressões: Mas quando já, olha já, tu fizeste isso já? Quando já? Quem já?”, observou Ediene.
A professora diz que o mais interessante é observar que o ‘olha’, isoladamente, é um verbo, que indica visão. E o ‘já’ é advérbio que indica um tempo. Mas quando as duas expressões se juntam, elas se transformam. “Isso que é fascinante na linguagem, é a força do uso, é a necessidade comunicativa que faz com que a gente empregue certas expressões”.
O “Mas quando” é a junção de elementos já existentes na língua portuguesa. O “mas” é uma conjunção adversativa, e o “quando” uma conjunção adverbial que dá a ideia de tempo. Isoladamente são palavras que funcionam muito bem, e quando se juntam se transformam em uma construção que tem diferentes significados de acordo com o contexto e pode indicar uma negativa, dúvida ou descrença.
De acordo com a professora, o que a gente pensa que é muito próprio da nossa região, da nossa cidade, numa pesquisa mais aprofundada vê que não é. Tem muito mais em comum não só com os municípios da região, mas com todo o Brasil do que se imaginava. O que vai diferenciar é a frequência de uso. Por exemplo, não se pode dizer que em tal lugar não se fala “égua”. A professora lembra que teve até uma polêmica com o Amapá, por causa dessa expressão. No Amapá também se fala égua. A questão é com que frequência e com qual significado.
“Linguagem é identidade sim, nós nos identificamos como moradores de Santarém, pela forma como falamos. Mas identidade não é exclusividade, então o fato de eu utilizar determinada expressão que caracteriza nossa fala, não significa dizer que é exclusivo daqui. Nos identifica pela forma, frequência e contexto de uso”, pontuou Ediene.
O jeito de falar do santareno já foi até inspiração para música, prova disso são os versos de “Nada se Compara”, composição de Jana Figarella. No refrão: “Eu digo égua, falo pai d'égua/ Não nego a ninguém que meu orgulho é Santarém/Eu digo égua, mas olha já/ Mas quando que eu nego/ Eu sou cabocla do Pará” [veja música completa no vídeo abaixo] estão presentes as expressões mais usadas pelos santarenos, expressões que dependendo do uso, podem significar tanto a concordância quanto a negativa em relação a uma afirmação, e também há casos, conforme mostram os estudos do Gelopa, em que significam as duas coisas.
Jana Figarella - Nada se Compara
Jana Figarella - Nada se Compara
Uma das características do modo de falar do santareno é o chiado na pronúncia. “Em Santarém temos um chiado, que vem dos portugueses, por quem fomos colonizados. Em municípios da região, não há a pronúncia desse fonema palatizado, devido a mistura dos sotaques que não têm as mesmas características. Apesar da distância, nós somos muito ligados à capital do ponto de vista cultural e linguístico”, explicou a professora.
Ediene destaca também que cada comunidade linguística se identifica de um modo. "Os santarenos são caboclos, já que se formaram da mistura entre o homem branco e o índio. Além disso, o santareno também troca o U pelo O, e o O pelo U, influência de uma herança portuguesa, das Ilhas dos Açores", observou a coordenadora do Gelopa.
Mais estudos
Atualmente, a professora Ediene Pena está orientando uma dissertação de mestrado para analisar a expressão “toma-te”, que também é muito usada pelos santarenos, mas não no sentido de beber algum líquido. Se aplica em situações em que o outro se dá mal: “Toma-te!”. Também é usada em uma situação de surpresa, como o preço da cesta básica, por exemplo: “Toma-te!”.
“O que muda é a forma como se fala. Então é muito interessante observar as funções que as expressões vão adquirindo na linguagem”, finalizou Ediene.
Expressões mais usadas pelos santarenos:
À Ufa!: Pessoa ociosa; que está sem fazer nada
Até o tucupi: Indivíduo que está de barriga cheia; saciado; ou para se referir à mulher grávida
Te arreda: usada para pedir que alguém se afaste
Axii: Expressa descontentamento ou desprezo
Embaçado: usado para expressar que uma situação está difícil, ou para um lugar perigoso.
Égua!: Expressão de espanto
Eras de ti: Maneira de repreender alguém
Espia: Modo de chamar a atenção de alguém; usado também com ironia para discordar de algo ou de alguém.
Fazendo H: usada pra se referir a alguém que faz conta que: estuda, trabalha...
Gito: Refere-se a algo ou pessoa pequena
Levou o farelo: se deu mal; se ferrou; ou morreu
Levou uma mijada: foi chamado atenção, levou um esporro, um sermão, uma bronca
Mana ou manazinha: Modo carinhoso de chamar a atenção de alguém
Mas como então?: Dificuldade para entender algo
Mas Credo ou Mas Quando: Expressam negação, dúvida ou descrença
Mofino: Diz-se do indivíduo triste
Muito palha: dito para falar sobre algo ruim, sem graça, chato.
Olha Já!: Marca um limite que o indivíduo não ultrapassa; usada também para negar um fato, em situação de dúvida ou espanto.
Nem te bate: forma de pedir para alguém não ligar para uma situação, não se importar ou deixar para lá.
Onde Já?: Expressa incredulidade
Pai d’égua: Expressa felicidade; diz-se quando se trata de uma coisa boa
Paresque: Variação da palavra “parece”; quando o indivíduo não tem certeza do que está falando.
Passamento: quer dizer que tá passando mal por estar com estômago vazio.
Pavulagem: sinônimo para metido, presunçoso, convencido. Ex.: O João passou em primeiro no teste e está cheio de pavulagem.
Pegar o beco: ir embora de algum lugar. Também pode ser usado como sinônimo para fugir.
Pomba lesa: pomba lesa é o mesmo que gente desligada, lenta.
Putitanga!: usado quando algo dá errado
Tá bom, cheiroso!: Maneira irônica de falar; quando se desconfia de algo
Tá selado: tá tudo certo, tá confirmado!
Te orienta: comporte-se, observe seus atos.
Toma-te!: Expressão que demonstra satisfação com o erro alheio; usado também em situação de espanto/surpresa.
Tu é leso é? ou Tédoidé?: Significa “Tá maluca?”
Link: https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2023/06/21/egua-do-linguajar-expressoes-usadas-por-santarenos-sao-quase-uma-assinatura-bora-espiar.ghtml