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Universidade Federal do Oeste do Pará

Ultima atualização em 23 de Fevereiro de 2022 às 17:29

José Seixas Lourenço - entrevista (Diário do Pará, novembro 2011)

UFOPA COMPLETA 2 ANOS COM MODELO ÚNICO
(entrevista ao Diário do Pará, novembro 2011)

 

José Seixas Lourenço, reitor da Ufopa

Criada em 2009, quando se tornou a primeira universidade pública federal com sede no interior da Amazônia, a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) completou em novembro de 2011 dois anos de existência. Sediada em Santarém, a instituição oferta 13 bacharelados interdisciplinares e 20 habilitações, mantém atuação voltada para as características específicas da região e já prevê expansão da sua produção de conhecimento, através da implantação do Parque de Ciência e Tecnologia do Tapajós, ainda em fase de estruturação. Um dos principais diferenciais da UFOPA é o modelo acadêmico, que permite e a mobilidade interna, oferecendo ao estudante a possibilidade de mudar de instituto caso não se identifique com o instituto escolhido.

O atual reitor da UFOPA é um paraense doutor em Geofísica pela Universidade da Califórnia (EUA): José Seixas Lourenço já comandou o Museu Paraense Emílio Goeldi e foi reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA) – quando ajudou a instalar no Estado o primeiro programa de pós-graduação da Amazônia e iniciou a interiorização do ensino superior no Pará.

Em entrevista concedida aos jornalistas do DIÁRIO Fábio Nóvoa e Cintia Magno, Seixas Lourenço falou sobre os desafios de se desenvolver o conhecimento científico no interior da região amazônica.

P: O processo de interiorização iniciado em sua atuação na UFPA pode ser considerado um embrião da UFOPA?

R: Realmente, essa é a origem. Foram as primeiras sementes, que nos deram resultados muito importantes. No que se refere ao campus de Santarém, nós ousamos. Muitos achavam que não tínhamos perspectiva, na medida em que não havia um grande apoio federal, mas nós criamos oito campi, em Santarém, Altamira, Abaetetuba, Cametá, Soure, Castanhal, Bragança e Marabá. Hoje, sabemos que o campus de Marabá certamente vai ser transformado em uma nova universidade também, a Universidade do Sul e Sudeste do Pará. Então, essas sementes plantadas há 25 anos frutificaram. Eu diria que foi uma verdadeira revolução para o interior. É claro que houve uma resistência até de pessoas da própria universidade, que achavam que o ensino superior ainda não tinha se consolidado nem em Belém e que seria um grande risco a gente interiorizar. Mas, na verdade, a decisão que nós tomamos naquela época foi absolutamente importante e fundamental para o desenvolvimento de todo o Pará.

P: Qual foi o principal desafio, na época, para implantar esse ensino superior no interior do estado?

R: A situação era diferente de hoje, em que há um grande estímulo do Ministério da Educação para a criação de campi no interior. A ideia [da UFOPA] surgiu em 2006. Já era uma aspiração da comunidade acadêmica local, que gerou uma mobilização política no sentido de propor a criação da Universidade Federal do Oeste do Pará. Se por um lado poderia parecer que a universidade perderia um de seus campi, e de fato ele foi desmembrado, priorizou-se uma visão pública e cidadã que concordou que aquela região merecia uma universidade. O interessante é que, nessa mesma ocasião, o estado do Amazonas também pleiteava uma universidade. A entrega do projeto com a proposta de criação da UFOPA ao ministro da Educação, Fernando Haddad é uma data histórica. Coincide com a data dos 50 anos da UFPA, que é 2 de julho de 2007. Foi um ano e meio de tramitação. A lei foi sancionada exatamente no dia 5 de novembro de 2009, e foi criada a primeira universidade pública com sede no interior da Amazônia. E ela já surgiu multicâmpi.

P: Nesses dois anos, o que você apontaria como as principais conquistas?

R: Destaca-se a estrutura acadêmica inovadora que foi construída bem antes da criação da universidade. Quando presidi a comissão de implantação, essa comissão demonstrou uma importante capacidade de trabalho e mobilização. Fizemos vários seminários, alguns incluindo o que há de melhor na região Amazônica. Tivemos um grande número de debates e, inclusive, fizemos audiências públicas. A partir daí, começamos a desenvolver um novo modelo acadêmico em que a instituição priorizasse temas que são a vocação daquela região, em vez de criar aqueles núcleos ou departamentos tão fragmentados, que geralmente acontecem em instituições tradicionais. A gente optou por cinco institutos interdisciplinares. O Instituto de Ciência e Tecnologia das Águas (ICTA), o Instituto de Biodiversidades e Florestas (IBEF), o Instituto de Engenharia e Geociências (IEG), o Instituto de Ciências da Sociedade (ICS) e o Instituto de Ciências da Educação (ICED). Resolvemos criar um Centro de Formação Interdisciplinar (CFI) porque decidimos adotar o seguinte modelo de acesso dos jovens que terminam o Ensino Médio: a seleção é feita exclusivamente utilizando 100% o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), e os estudantes passam por dois períodos de formação interdisciplinar. Ou seja, eles ingressam na universidade sem fazer opção de curso. A observação geral é de que os jovens entram em uma profissão e mudam ao longo do curso. Você não tem no Ensino Médio, de um modo geral, uma percepção das várias carreiras. Poucos sabem o que é se formar arqueólogo ou um planejador geral na área de computação, por exemplo. Então, esse modelo se revelou extremamente interessante. Fizemos a primeira seleção no final do ano passado e tivemos, para surpresa nossa, uma demanda muito grande. Foram quase 18 mil inscritos para 1.200 vagas. Ou seja, isso dá quase 15 concorrendo para cada uma vaga. Como o processo é aberto, já que é pelo Enem, vieram candidatos de todo o Brasil, mas 90%, obviamente, eram do próprio Pará e, em especial, de Santarém. Ao final do primeiro semestre, houve a opção por um dos cinco institutos, ainda não pela carreira. Agora, eles estão passando, desde agosto até dezembro, por uma visão interdisciplinar dentro da área específica. Depois de dezembro é que farão a opção por uma dessas carreiras. É uma grande inovação dessa universidade, que está servindo de referência não apenas para as universidades tradicionais, mas também para universidades novas.

P: Antes, esse modelo não existia aqui na Amazônia...

R: Não. Nem no Brasil. Mesmo as universidades novas têm o ingresso já para uma respectiva graduação. Certamente somos um paradigma, uma referência para as demais universidades e esse modelo tem se revelado muito exitoso, segundo depoimentos dos próprios alunos. O segundo grande êxito que tivemos é a qualidade do corpo docente, e é fundamental, porque, por mais inovadora que a estrutura acadêmica seja, você não é capaz de executar o modelo com a qualidade exigida se você não tiver um corpo docente que seja qualificado.

P: A região também possui um campo vasto para a pesquisa, não?

R: Muito. Na hora em que você coloca como temas principais a água, e a água na sua diversidade, inclusive na área de saneamento, que estamos abrindo agora... Para quem quer fazer arqueologia, nós estamos com um grupo muito sólido que é um dos melhores da região. O que aconteceu em todo esse Oeste do Pará? Uma demanda reprimida. Os jovens tinham meios e vinham estudar fora porque a oferta em Santarém ainda era muito pequena na época. Então, na hora em que surgiu uma nova universidade, as pessoas vieram e se inscreveram. Em julho do ano passado, seis meses após a universidade ser criada, nós partimos para a formação superior de professores do ensino fundamental e médio que atuam em todo o Oeste do Pará. A gente estima que o número de professores que não tiveram a oportunidade de fazer nível superior chegue de 8 a 10 mil somente na região, contrariando, inclusive, a Lei de Diretrizes e Bases, que diz que, para ser professor, a pessoa precisa ter a formação. Então, a gente resolveu aceitar esse desafio. Nosso desafio é que, dentro de cinco anos, todos os professores leigos já tenham ingressado na universidade.

P: Então, a própria implantação da universidade já está colhendo frutos para a região, nesse caminho onde a educação é motor de desenvolvimento...

R: Não tenho dúvida de que a educação, a ciência e a tecnologia tenham esse papel. A UFOPA já vinha desenvolvendo pesquisa com a UFPA e a UFRA, só que agora ela desenvolve com um potencial muito maior na medida em que nós quadruplicamos o nosso potencial. Como universidade nova, nós já temos três pós-graduações em nível de mestrado, e já há uma proposta de doutorado interdisciplinar em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento. Nós temos uma perspectiva de já atingir aquilo que é a exigência recente do Conselho Nacional de Educação, de diferenciar universidades de faculdades e instituições de ensino superior. Devem ter o status de universidade aquelas que tiverem pelo menos um doutorado e três mestrados. É uma meta que será cobrada até 2014 e essa jovem universidade de dois anos já, praticamente, com a aprovação do doutorado, terá alcançado a meta mínima. Nós já temos uma agenda de pesquisa de pós-graduação muito sólida. Então, se me perguntam se faz diferença a criação de novos meios de pesquisa em uma região, digo que isso muda por completo o cenário na medida em que você começa a gerar conhecimento em um nível mais alto e a desenvolver a região.

P: A instituição está com as inscrições abertas agora para o seu segundo processo seletivo e tem previsão de criar novos cursos para o ano que vem...

R: É. Na verdade, nós estamos consolidando a oferta que já fizemos antes e o ICTA sugeriu a criação do curso de Engenharia Sanitária. Mas o leque que nós ofertamos já é bastante significativo. Estamos em viabilização de um Parque de Ciência e Tecnologia do Tapajós, que será um espaço para quem quiser transformar conhecimento em produto. O parque terá, por exemplo, incubação de empresas. A Sudam já aprovou R$2 milhões para criar um núcleo de aquicultura dentro da ideia do Parque de Ciência e Tecnologia do Tapajós. Isso será anunciado no dia 10 de novembro, lá em Santarém.

P: A sede da universidade está instalada em uma região que pode vir a se tornar um novo estado, caso o Pará seja dividido...

R: Logo que o Congresso Nacional aprovou o plebiscito, eu tomei a iniciativa de criar uma comissão para desenvolver estudos e promover diagnósticos para subsidiar os debates sobre a divisão do estado. Uma das características dessa região, que pode vir a se tornar o estado do Tapajós, é que ela é riquíssima do ponto de vista cultural. Em tempos idos, há mil anos, eram duas culturas distintas, tinha a cultura marajoara e a tapajônica. Os resultados [dos grupos de estudos] têm sido extremamente interessantes. A universidade não toma partido, claro. A universidade, na realidade, deve analisar as diferentes percepções e nisso ela fez um grande diferencial na comissão que a gente criou. Fizemos uma análise crítica mostrando principalmente que, se essa região quer se transformar em um estado, tem que ter um projeto de estado. O que se percebe é que a discussão tem sido muito politizada do ponto de vista de partidos políticos e a gente não percebe ainda a apresentação de um projeto sólido de desenvolvimento diferenciado da região.

 

Entrevista publicada no Diário do Pará, Belém, 6/11/2011.
Reproduzida em: Jornal da Ufopa, Santarém, PA, ano II, n. Especial, p. 8, janeiro de 2012.