PREFÁCIO
José Luís Sanfelice*
"É muito comum vermos a Amazônia brasileira retratada pela mídia como sendo somente uma rica floresta em processo de desmatamento, sofrendo pela ação dos seres humanos, e que possui grande variedade de vida animal. Retrata-se também a presença de inúmeras tribos indígenas, que são constantemente filmadas, fotografadas, e que viram documentários em produções estrangeiras por serem exóticos. Essa propaganda cria uma imagem onde as pessoas que não conhecem os vários estados que compõem a Amazônia os vêm como imensas regiões alagadas, onde os moradores convivem, mesmo em zona urbana, com sucuris e jacarés".
A citação acima foi retirada de um dos textos da presente coletânea. Ela expressa, de forma bem objetiva, as possíveis distorções que a grande maioria de todos nós, brasileiros ou não, constrói sobre a Amazônia. Vão se acumulando o desconhecimento puro e simples, as visões míticas e os preconceitos. Somente esta constatação já justificaria de forma plena a presente publicação. Um conjunto de autores educadores e, em processo de formação, pensa a educação para a Amazônia. É um esforço reflexivo e prospectivo, não uma proposta com fórmula mágica.
A educação para a Amazônia enfrenta complexidades específicas. A relação capital x trabalho, claro, obedece a lógica geral de toda a sociedade capitalista mundializada, mas, na Amazônia, temos uma sociabilidade menos homogênea: comunidades de pescadores artesanais, os ribeirinhos, os remanescentes quilombolas, os povos indígenas, os retireiros, os seringueiros, os assentados agrários, os trabalhadores de grandes propriedades agrícolas, os pecuaristas, as ocupações de trabalhadores sem terras, migrantes nordestinos, sulistas e imigrantes de várias partes do mundo. Grande parte dessa população vive determinada pelo ritmo das águas cheias ou vazantes dos grandes rios. Para aquelas populações a ocupação dos espaços físicos, a organização da temporalidade da produção para a subsistência, as relações sociais de parentesco e comunitárias tornam-se muito específicas. São as diversidades que foram herdadas das tradições, as diversidades já contrárias à tradição e, a diversidade das diversidades, por exemplo, de povos, culturas e línguas.
Os desafios vão se colocando para a educação e os educadores. Desde o mais fundamental: como garantir, em região tão diversa, a educação do campo (específica) e o direito universal à educação? Como pensar uma educação integral (omnilateral) e construir uma educação de qualidade? Para além do que se entende por educação integral e de qualidade, enquanto definidas de forma geral, como pensá-las de modo a responder às especificidades da diversidade das populações da Amazônia? Será possível desenvolver uma educação cidadã? E a educação infantil?
E, sabe-se, toda a Amazônia, em território brasileiro ou não, está sob os olhares e a intervenção do capitalismo globalizado voraz. Por ali há evidências imensas dos interesses do grande capital, seja do que restou do ciclo da borracha no passado, ou da extração da madeira e do minério hoje. E o agronegócio que de tudo se apropria? Os ambientalistas, por sua vez, defendem a grande “mancha verde” do planeta como garantia da sua sobrevivência. Interesses considerados públicos e privados se digladiam.
Então uma pergunta se torna inevitável: qual é o papel da Universidade em tal contexto? Do ponto de vista do capital a resposta já está formulada. Mas, e do ponto de vista da resistência?
Os autores da presente coletânea buscam respostas em um processo coletivo de construção de uma consciência crítica. Ousam afirmar com convicção que a formação para a docência na Amazônia precisa nascer na e da Amazônia. Como, por exemplo, o multilinguismo fará parte da formação docente? Como será a política de preservação das línguas? Como viabilizar ao aluno da educação escolar da Amazônia a compreensão da sua própria história e de modo que ele possa transgredi-la?
Uma constante nos textos que aqui se colocam é a concepção bastante correta de que todo o particular se explicita em um contexto mais geral. Em nenhum momento se perde esta orientação. Pensar especificidades, singularidades e diversidades, não é pensá-las em si mesmas. Então, não é uma Amazônia isolada do mundo que se está a visualizar.
Há muitas questões que decorrem da temática central da coletânea e que serão captadas pelo leitor. Entretanto, penso que o presente trabalho ainda terá outros desdobramentos, pois, ao eleger Educação e Realidade Amazônica como motivo de um Seminário no programa de pós-graduação em educação da UFOPA, imagino que se garantiu a visão panorâmica dos problemas presentes na Região para, com o desenvolvimento das pesquisas aprofundar-se em vários aspectos. É muito bem-vinda a presente publicação que socializa com os pesquisadores de todo o Brasil a produção de um conhecimento relevante para os campos das políticas educacionais, da história da educação, dentre outros. Também é uma oportunidade para que o leitor se aproxime um pouco mais de uma Amazônia real e não aquela mencionada na epígrafe.
* Prof. Titular em História da Educação da UNICAMP (aposentado e colaborador). Docente do Mestrado em Educação da UNIVÁS.
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