Ultima atualização em 3 de Julho de 2018 às 11:57
“Acho essa data extremamente importante porque a gente vem de anos de luta para sermos reconhecidos, ter a nossa identidade respeitada. É importante a gente ter orgulho, porque não queremos mais morrer, sofrer atentados, apanhar, ouvir piadinhas. Eu acho que a nossa forma de amar tem que ser respeitada. É a única coisa que a gente quer: poder andar de mãos dadas, poder se beijar, poder dar carinho, poder ter uma família com quem a gente realmente quer”.
Calouro do curso de Antropologia da Ufopa, Pedro Barcellos Rodrigues Juliano, 22 anos, revela o anseio maior da população LGBTI: respeito. E nada melhor do que aproveitar a data em que se comemora o Dia Internacional do Orgulho LGBTI para começar fazendo uma reflexão sobre a violência e os preconceitos enfrentados diariamente por essa população. O dia 28 de junho remete aos protestos ocorridos em 1969, que acusavam a violência policial contra membros da comunidade LGBTI de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
“Quando se fala em ‘Orgulho LGBT’, 'orgulho' aqui tem o sentido antônimo de vergonha. Todos nós nos constituímos enquanto sujeitos em um caldo cultural que reconhece graus distintos de dignidade a cada pessoa conforme o seu corpo, seu gênero, sua sexualidade, sua raça”, explica o professor André Freire Azevedo, do curso de Direito da Ufopa. “O orgulho LGBT tem o sentido de afirmar que, embora persista uma cultura que impõe a lésbicas, gays, travestis e transexuais e aos seus corpos o lugar do estranho, do abjeto e do imoral, os sujeitos LGBT podem e devem viver sem medo e vergonha de expressar livremente suas identidades de gênero, sexualidades e afetividades. Vergonhoso é o ódio, a homofobia, a transfobia e a ignorância, não o amor e a livre expressão da identidade”.
Para o pesquisador, em um país com uma cultura extremamente machista e homofóbica como o Brasil, são muitos os desafios e preconceitos que a população LGBTI enfrenta. “A começar pela própria sobrevivência”, afirma André Azevedo. “Temos que lembrar que o Brasil é o país que mais mata a população LGBTI no mundo, em especial travestis e transexuais, e essa violência é muitas vezes tida como natural. A travesti Dandara dos Santos, por exemplo, foi espancada e morta em plena rua e à luz do dia na periferia de Fortaleza sem que isso gerasse nenhuma reação imediata. Os agressores ainda se sentiram confortáveis para filmar o crime”.
“Eles não estão morrendo de causas naturais, por acidente. Estão sendo assassinados por serem LGBT”, indigna-se Pedro Juliano. “Estamos sendo assassinados porque queremos viver do nosso modo. Estamos sendo assassinados porque a gente resolve passar maquiagem, porque a gente resolve amar uma pessoa do mesmo sexo, porque a gente resolve colocar um salto alto, colocar uma roupa que a gente se identifica na rua. E isso tá matando a gente. É um absurdo”.
Segundo o professor da Ufopa, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que a expectativa de vida das travestis e transexuais no Brasil é hoje de 35 anos, contra mais de 74 anos da população em geral. “Para além disso, há diversas questões, como a dificuldade no acesso ao mercado de trabalho, a rejeição da família, a discriminação em espaços públicos e privados, a evasão escolar causada pela discriminação, a dificuldade no acesso a serviços de saúde, a negação de direitos, as violências físicas e verbais, entre outras”, afirma Azevedo, que integra o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (Najup/Ufopa). “No Najup, apoiamos recentemente a construção do II Seminário de Direito LGBTI da cidade, em parceria com o Grupo Homossexual de Santarém, oportunidade em que visibilizamos e discutimos questões que afetam a população LGBTI do país e da região.”
Nome Social: um direito que tem que ser respeitado
Na Ufopa, o Regimento de Ensino de Graduação assegura ao discente, cujo nome oficial não reflita, adequadamente, sua identidade de gênero, a possibilidade de uso e de inclusão nos registros acadêmicos do seu nome social, que é “o modo como a pessoa se identifica e é reconhecida e denominada por sua comunidade e meio social, na medida em que seu nome oficial não reflete sua identidade de gênero e possa lhe imputar constrangimento”.
O documento garante ao aluno o direito de ser chamado pelo nome social, sem menção ao nome oficial, em frequência de classe, defesa de tese, dissertação ou monografia, entrega de certificados, declarações, solenidade de colação de grau e eventos congêneres. O discente pode solicitar o ajustamento do seu nome social nos registros acadêmicos, junto à Diretoria de Registro Acadêmico (DRA), a qualquer tempo, durante a manutenção do seu vínculo ativo com a Ufopa.
Foi o que fez Dían Sousa de Oliveira, 20 anos. Antes de entrar para a Ufopa, Dían não tinha conhecimento que podia utilizar o nome social no ambiente acadêmico. Foi com um colega de curso que ficou sabendo desse direito. “O processo foi bem rápido, simples, fiquei até surpreso, mesmo sabendo que é um direito nosso. Foi uma experiência maravilhosa”, comemora o aluno, que vai fazer um ano com o nome social.
Apesar de jovem, Dían revela que já passou por várias situações de preconceito, inclusive de transfobia dentro da Ufopa. “Mesmo depois do processo de transição, pessoas ainda me tratam pelo feminino. Algumas pessoas não sabem que eu sou um homem trans, então eu relevo. Mas têm pessoas que sabem e me tratam no feminino porque simplesmente não aceitam. Isso é bem recorrente”.
Qual o papel da Universidade na luta pela garantia dos direitos dos LGBTI?
“A Universidade, enquanto lócus privilegiado de produção e difusão do conhecimento científico, tem um papel central no combate à violência contra a população LGBTI e na crítica à normatividade social que impede o reconhecimento da plena dignidade dessas populações. Grande parte dos preconceitos contra a população LGBTI foi e ainda é legitimada por discursos que se pretendem científicos: assim como no início do século XX se justificava a exclusão das mulheres da política com base em argumentos pseudocientíficos sobre a morfologia do cérebro feminino, a transexualidade só deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial de Saúde neste início do século XXI, mais precisamente em janeiro de 2018. Cabe à Universidade adotar uma postura intransigente contra a violência contra pessoas LGBTI, dentro ou fora de suas premissas, bem como dar visibilidade às lutas por reconhecimento de travestis, transexuais, lésbicas, gays, bissexuais, intersexuais, influenciando agentes sociais e a formulação de políticas públicas. A Universidade é um lugar de formação e essa deve ser uma formação para a realidade da diversidade.” (André Freire Azevedo, docente da Ufopa)
“A comunidade acadêmica tem um papel muito importante no sentido de acesso ao conhecimento. Dentro da academia, mais do que qualquer outro lugar, se tem acesso ao conhecimento. Acho que tem que estar na formação básica dos professores saber lidar. O professor não pode fazer piada, deslegitimar um aluno trans, não chamar pelo nome social, não respeitar a forma como o aluno quer ser respeitado. Acho que se o professor tem qualquer tipo de atitude que atinge o aluno de forma negativa, ele não está sendo professor, ele não está atingindo o papel dele. O professor tem que integrar, trazer pra perto, interagir, mostrar um modo coeso de lidar com a situação. Se ele não consegue lidar com esses alunos, ele não é um bom professor, ele não serve para estar na academia, para dar aula. O professor tem esse papel de saber lidar e, principalmente, saber respeitar.” (Pedro Barcellos Rodrigues Juliano, discente da Ufopa)
Maria Lúcia Morais - Comunicação/Ufopa
28/6/2018