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Universidade Federal do Oeste do Pará

Ultima atualização em 24 de Outubro de 2019 às 14:08

Pesquisa aponta que autocoleta cervicovaginal é eficaz na prevenção do câncer do colo do útero


O câncer do colo do útero continua sendo o primeiro mais incidente tipo de câncer em mulheres do Norte do Brasil e o quarto de maior mortalidade no mundo.

Um exame simples e seguro denominado autocoleta cervicovaginal tem sido apontado como uma nova técnica para a detecção precoce do câncer do colo do útero, sendo capaz de beneficiar principalmente mulheres que têm dificuldade de acesso a serviços públicos de saúde, como, por exemplo, aquelas que vivem na região do rio Tapajós, no Norte do Brasil. A conclusão é que a autocoleta é capaz de atuar, de forma significativa, na prevenção do câncer do colo do útero. A pesquisa é inédita e foi realizada com amostras de mulheres que vivem na região do Tapajós.

A falta de infraestrutura, de material de coleta e de profissionais especializados em lugares mais distantes, de difícil acessibilidade e com poucos recursos, restringe a oferta do exame de Papanicolaou pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e, consequentemente dificulta a detecção precoce do câncer do colo uterino. Além disso, por se tratar de uma coleta íntima, algumas mulheres sentem constrangimento ou mesmo medo de dor pelo desconforto, o que pode levar à não realização do Papanicolaou. A autocoleta vem para sanar esses problemas, uma vez que a própria mulher tem autonomia para realizá-la.

A pesquisadora explica que se trata de "um exame simples e seguro, pois basicamente basta que a mulher introduza, na vagina, 5 cm de uma escova semelhante a que o profissional da saúde usa para a coleta do exame Papanicolaou, dê um giro de 360º graus por 5 vezes e armazene a coleta em um frasco contendo uma solução preservante específica (foto 1)”. As pesquisas científicas mais recentes demonstram que a autocoleta cervicovaginal é muito vantajosa, pois, além de ser capaz de detectar precocemente o câncer do colo do útero, através da identificação da presença do DNA do vírus causador da doença, o papilomavírus humano (HPV), ela pode ser usada para identificação de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), o que pode diminuir o risco de contaminação e transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV).

 

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Foto 1: Mulher a receber esclarecimento e instrução sobre os objetivos da pesquisa. Se aceita participar, realiza-se a coleta de amostras.

A pesquisa foi realizada pela Profa. Dra. Luana Rodrigues, farmacêutica-bioquímica, vinculada ao Instituto de Saúde Coletiva (Isco) da Ufopa, durante o seu doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro, com estágio sanduíche na Universidade Johns Hopkins e na Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos (foto 2). O estudo teve como objetivo avaliar a aceitabilidade da autocoleta cervicovaginal, comparando-a com raspado cervical, a amostra clínica coletada pelo profissional da saúde durante o exame de Papanicolaou. Também foi identificada a prevalência de infecção pelo HPV, herpes genital, clamídia, gonorréia, tricômona e micoplasma em mulheres portadoras de HIV e não portadoras que vivem na região do Tapajós, na Amazônia.

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Foto 2: A pesquisadora Luana Rodrigues durante o doutorado sanduíche nos Estados Unidos.

Para atender aos objetivos da pesquisa, um estudo transversal foi conduzido com 439 amostras obtidas das 153 mulheres divididas em portadoras de infecção pelo HIV (N=41) e não portadoras (N=112) e que procuraram de forma voluntária a assistência nos serviços de saúde em Santarém. As amostras foram de raspado anal e cervical para detecção do HPV e outras ISTs. Foi coletado ainda sangue periférico para rastreamento de HIV. As mulheres foram recrutadas em oito Unidades Básicas de Saúde (UBS) públicas e no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de Santarém, responsável pela assistência de pessoas vivendo com HIV/AIDS da região do Tapajós. As mulheres que aceitaram realizar a autocoleta cervicovaginal foram instruídas e receberam kits de coleta individuais.

Taxa de aceitabilidade - A aceitabilidade da autocoleta cervicovaginal foi de 87% entre as mulheres participantes do estudo. Esta alta taxa de aceitabilidade da autocoleta identificada foi semelhante à observada em estudos conduzidos em países desenvolvidos, onde se espera que as pessoas tenham níveis educacionais mais altos. O estudo foi realizado em uma região economicamente pobre do Brasil e com mulheres que tinham um nível de escolaridade médio para baixo. Independentemente disso, considerou-se criticamente importante que a mulher recebesse explicações adequadas sobre as instruções de autocoleta para dar apoio para que ela pudesse decidir se deveria ou não realizá-la.

Concordância na detecção do HPV e rastreio do câncer do colo do útero - A autocoleta cervicovaginal mostrou uma elevada e significativa concordância na detecção de DNA do HPV (88%) e HPV de alto risco carcinogênico (79,7%) em comparação ao raspado cervical. Além disso, a quantidade e tipos de HPV encontrados entre os dois tipos de amostras foi similar.

Segundo a pesquisadora, a soma desses achados sugere que as mulheres na Amazônia, ainda que tenham baixa escolaridade, desde que bem orientadas, não apenas aceitam realizar a autocoleta, mas também são capazes de fazer uma coleta adequada e tão boa quanto a coleta feita pelo profissional da saúde treinado. Estes resultados são favoráveis ao uso da autocoleta no rastreio do câncer do colo do útero, uma vez que outros estudos já comprovaram a precisão da autocoleta comparada às amostras cervicais coletadas pelo profissional da saúde no rastreio do câncer do colo uterino.

“Outros trabalhos científicos já apontam que um teste para procura de DNA do HPV a partir de autocoleta é muito mais específico do que um exame Papanicolaou negativo para a detecção precoce de lesão pré-câncer cervical. Isso talvez seja explicado, pois a proposta do exame de autocoleta é que seja feita a procura do DNA do principal causador do câncer do colo do útero, o HPV, independente da mulher ter ou não o câncer já instaurado. Enquanto que no exame Papanicolaou, o citopatologista faz a procura por alterações nas células características do câncer ou do estágio pré-câncer, isto é, dependente da visão e experiência do especialista”, explica a pesquisadora.

Dra. Luana Rodrigues também destaca que uma vantagem adicional do uso desta ferramenta é a oportunidade de esclarecer as mulheres sobre o papel do HPV na etiologia do câncer do colo do útero durante o fornecimento de instruções para o procedimento de autocoleta, tendo em vista as inúmeras barreiras e limitações do rastreio do câncer cervical baseado na realização do exame citopatológico, o Papanicolaou, relatadas pelas próprias participantes da pesquisa.

Concordância na detecção e rastreio de outras ISTs - Também houve alta concordância na detecção de herpes (95,5%), clamídia (91,7%), gonorréia (99,2%), tricômona (97,7%) e micoplasma (94,7%) entre autocoleta cervicovaginal e raspado cervical. Estes resultados estão de acordo com os achados de estudos realizados em outros países, onde a autocoleta cervicovaginal foi validada e considerada útil no diagnóstico de IST, que, por ser simples de realizar, poderia ser facilmente coletada em casa.

Prevalência de HPV e outras ISTs - Neste estudo apenas mulheres infectadas pelo HIV apresentaram lesões cervicais (12,2%), todas com HPV de alto risco oncogênico. A prevalência geral de infecção encontrada foi de: 97,6% de HPV, 77,5%, de HPV de alto risco carcinogênico, 9,8% de herpes genital e 24,4% das outras ISTs nas mulheres portadoras de HIV e 42,9% de HPV, 47,9% de HPV de alto risco carcinogênico, 8,9% de herpes genital e 30,4% das outras ISTs nas mulheres não portadoras. HPV16, HPV51 e HPV59 foram os tipos de HPV de alto risco mais prevalentes em mulheres portadoras de HIV e HPV16 e HPV18 em mulheres não portadoras. Mulheres com HPV tiveram significativamente coinfecção ou múltiplas infecções com as outras ISTs. A infecção anogenital por C. trachomatis foi mais prevalente do que as outras ISTs que não HPV, em ambos os grupos de mulheres.

Diante de todos esses achados, a pesquisadora sugere que mulheres não indígenas vivendo na região do Tapajós, tanto as não portadoras de HIV, como as mulheres infectadas pelo HIV, com alterações citológicas ou não, têm uma alta prevalência de HPV e outras ISTs com coinfecção e múltiplas infecções. Além disso, esta população tem diferentes tipos de HPV de alto risco circulantes, incluindo alguns tipos de HPV de alto risco oncogênico que não estão inseridos nas atuais vacinas profiláticas bivalente e quadrivalente, como o HPV51 e HPV59.

Os resultados desta pesquisa e outras evidências científicas especulam que a alta prevalência e diversidade de HPV encontrados pode ser uma característica dos povos da Amazônia, aliada a outros fatores, como relação vírus-hospedeiro, sociais, culturais e comportamentais, além da alta sensibilidade e especificidade das técnicas laboratoriais usadas neste estudo para a genotipagem do HPV.

Este é um estudo pioneiro conduzido no Brasil sobre a prevalência de ISTs, comparando-se a detecção molecular em amostras de autocoleta, incluindo dados inéditos de prevalência de M. genitalium na Amazônia.

A pesquisadora conclui que “como a autocoleta é um método centrado na paciente é mais inclusivo, então as razões pelas quais as mulheres não podem ou não querem fazer a coleta do exame Papanicolaou seriam evitadas. O problema que atualmente existe na triagem do câncer do colo do útero no Brasil e países em desenvolvimento é que muitas mulheres ainda não estão sendo alcançadas ou não são eficientemente alcançadas. Neste contexto, a autocoleta cervicovaginal com teste de detecção do DNA do HPV é uma nova e importante ferramenta de auxílio ao rastreio do câncer do colo do útero que pode contribuir para aumentar o alcance de mulheres e consequente mudança no cenário da baixa cobertura, aliada à vantagem de ser uma alternativa eficiente também para triagem de ISTs, principalmente se ofertada através do SUS em locais distantes, de difícil acesso e com poucos recursos, como na região Tapajós, no Norte do Brasil.”

A pesquisadora, que recentemente retornou de licença maternidade, revela que planeja apresentar os artigos e resultados de sua tese ao sistema público de saúde para a possibilidade de inclusão para fortalecimento das políticas de prevenção do câncer e ISTs. 

Pesquisa recebeu Prêmio Oswaldo Cruz de melhor tese na categoria medicina

No último dia 15 de outubro, dia dos professores, o trabalho de pesquisa da Profa. Dra. Luana Rodrigues recebeu o prêmio de melhor tese na categoria medicina da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), denominado Prêmio Oswaldo Cruz de Teses (Foto 3). Além do diploma de melhor tese de doutorado na categoria Medicina, a premiada ganha um determinado valor em dinheiro para ser usado em evento científico, nacional ou internacional. “Agradeço a todos os que colaboraram para a realização desta pesquisa, particularmente as mulheres participantes. Também estou grata à coordenação do evento por este incentivo à ciência. Espero futuramente poder realizar novos estudos que possam impactar positivamente na vida das pessoas”.   

O Prêmio Oswaldo Cruz de Teses, entregue no dia 15 de outubro, reconhece o mérito de trabalhos de elevado valor para o avanço do campo da saúde em diferentes áreas de atuação institucional, como saúde coletiva, ciências biológicas aplicadas à saúde, biomedicina, medicina, ciências humanas e sociais. A seleção se dá por meio da avaliação técnica de uma comissão composta por pesquisadores de dentro e fora da Fiocruz.

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Foto 3: A Profa. Dra. Luana Rodrigues, que defendeu sua tese de doutorado grávida, recebeu junto de sua filha Lorena o prêmio de melhor tese de doutorado na categoria Medicina da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), denominado Prêmio Oswaldo Cruz de Teses. Foto: Peter Ilicciev.
 

Albanira Coelho – Comunicação/Ufopa

23/10/2019

A pesquisadora em experimento no Laboratório de Aids e Imunologia Molecular da Fiocruz, Rio de Janeiro. Fotos: Arquivo pessoal.

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